• Mais incrível ainda do que a recidiva do populismo, é a sobrevivência de uma concepção autoritária de desenvolvimento nacional, cuja matriz histórica é o Estado Novo
Correio Braziliense
José Honório Rodrigues, falecido em abril de 1987, aos 73 anos de idade, era um liberal-democrata radical. Historiador de formação anglo-saxã, foi discípulo “incondicional” de Capistrano de Abreu, o primeiro a valorizar a importância do “povo capado e recapado, sangrado e ressangrado” na formação histórica do Brasil.
Tinha sincera admiração pelo amigo Sérgio Buarque de Holanda, mas dele divergia numa questão crucial: o homem cordial retratado pelo autor de Raízes do Brasil (José Olympio, 1936), para ele, era um mito. “A nossa história é cruenta”, demonstrava Honório Rodrigues com eloquentes exemplos, da Inconfidência a Canudos, da Cabanagem à Farroupilha.
Uma de suas obras completa 50 anos e mantém incrível atualidade. É a coletânea Conciliação e reforma no Brasil: interpretação histórico-política (Civilização Brasileira, 1965). Reúne os ensaios “A política de conciliação: história cruenta e incruenta”, “Teses e antíteses da história do Brasil”, “Eleitores e elegíveis: evolução dos direitos políticos no Brasil” e “O voto do analfabeto e a tradição política brasileira”.
Nessa obra, Honório Rodrigues mostrou como a concentração do poder político por um grupo conservador pode impedir a democratização da política, como estamos presenciando agora na votação da reforma eleitoral e partidária pelo Congresso. Era um crítico da “política de conciliação”, cujo protagonismo na construção do Estado nacional e na preservação da nossa integridade territorial foi realçado por Joaquim Nabuco em Um estadista no Império (H. Garnier, 1899), o livro de cabeceira de Fernando Henrique Cardoso na Presidência da República.
Além de confrontar o mito da cordialidade como comportamento histórico permanente dos brasileiros, Honório Rodrigues considerava a política de conciliação um artifício das elites políticas para absorver elementos divergentes e, ao mesmo tempo, fazer pequenas e mínimas concessões à maioria da sociedade — e assim manter o status quo. Isto é, perpetuarem as oligarquias no poder mediantes alianças e pactos perversos.
“O povo brasileiro é uma vítima, um derrotado no processo histórico”, escreveu. Segundo ele, a independência poderia ter sido uma revolução, de modo a fundar as bases nacionais em terreno popular e liberal, mas foi derrotada. Não significou uma ruptura, mas a continuidade da ordem privilegiada das elites da época. Em 1822, e também nas décadas de 1830 e 1840, em 1889, 1930, 1945, 1961 e, não menos importante, em 1964 deu-se o mesmo. “Os poderes dominantes tiveram sempre força para conter as aspirações profundas de mudança e reverter os movimentos de modo a sustentar seu sistema, e seus privilégios”, afirmava.
Honório Rodrigues tinha certa admiração por Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, por seu ímpeto transformador, porém, era um critico implacável do populismo. Caracterizou-o como “uma espécie de primitivismo político (...), um instrumento de agitação irresponsável, de meio desordenado de degradação da política e dos políticos”.
Como agora, o populismo foi um entrave ao crescimento ordenado e eficiente nas décadas de 1950 e 1960: “A campanha de luta e agitação (...) desgastou o progressismo que se vinha formando e criou barreiras intransponíveis (...) O radicalismo vindo de cima, que mais agitava do que propunha construir(...) foi, como no poema de Carlos Drummond de Andrade, uma pedra no caminho da reforma e do progresso nacional. Não uniu, dividiu”.
É incrível a atualidade desse diagnóstico. Mais incrível ainda do que a recidiva do populismo, é a sobrevivência de uma concepção autoritária de desenvolvimento nacional, cuja matriz histórica é o Estado Novo. Seu ideólogo foi Oliveira Viana, o mais conservador dos grandes intérpretes do Brasil.
Autor de Evolução do povo brasileiro, obra publicada em 1923, Viana influenciou fortemente tanto Getulio Vargas como seus arqui-inimigos Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva. Estado de compromisso, forte e intervencionista; culto à personalidade; sindicatos como cadeia de transmissão; nacionalismo chauvinista — esses elementos da Era Vargas estão aí vivíssimos, como plataformas do petismo. E são reais obstáculos às reformas democráticas e ao desenvolvimento sustentável
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