SÃO PAULO - O apoio de parlamentares do PSDB ao fim da reeleição - a começar pelo do próprio presidente do partido, senador Aécio Neves (MG) - não altera a opinião do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso sobre o assunto. “Eu continuo favorável a ela e não creio que o tempo de experiência tenha sido suficiente para invalidá-la.” Mas seu tom é mais duro quando comenta outra posição do partido, desta vez na votação do ajuste - o apoio a mudanças no fator previdenciário. “Acabar com o fator agrava a situação fiscal e, a médio prazo, o custo disso cairá no bolso do povo. O PSDB votar como votou abala seu prestígio, embora em camadas de menor peso eleitoral.”
Muita gente do PSDB votou, no Congresso, contra a reeleição e contra o fator previdenciário, medidas que ele próprio criou. Faltam unidade e direção no partido?
São questões de natureza diferente. A duração do mandato depende da opinião que se tenha sobre a reeleição, não é questão doutrinária e não afeta diretamente o povo. Eu continuo favorável a ela e não creio que o tempo de experiência tenha sido suficiente para invalidá-la. Entretanto, entendo e respeito opiniões divergentes dentro do partido. Já acabar com o fator previdenciário ou diminuir as exigências de idade e tempo de trabalho - como foi feito - agrava a situação fiscal e, a médio prazo, o custo cairá no bolso do povo. Na campanha de 2014, o PSDB prometeu substituir o fator previdenciário por outro mecanismo, o que seria razoável. O PSDB votar como votou também abala seu prestígio, embora em camadas de menor peso eleitoral.
O partido passa a impressão de desunião. O que falta?
A imagem de um PSDB desunido aparece toda vez que estamos próximos a uma disputa eleitoral ou quando há ansiedade diante de um grande impasse. Por que isso e por que não com referência a outros partidos? Provavelmente porque o PSDB não tem dono e desde sua fundação contou com quadros de projeção nacional. Este é o lado positivo da resposta, mas há outros.
Quais?
Como a maioria dos partidos, o PSDB, embora tenha uma postura reconhecida - que os adversários acusam de ser elitista, quando na verdade é, como se diz agora, mais “republicana” -, não possui unidade, digamos, ideológica. Mas como ele é o polo de oposição viável ao PT, cobra-se dele uma coerência que não é cobrada dos outros partidos.
Qual seria o caminho para aproveitar a atual crise do PT?
É compreensível que haja hesitação: votar contra tudo que vem do governo “do PT”, como este fez quando éramos governo, ou manter a coerência? Para mim não há dúvidas: é manter a coerência, denunciando, ao mesmo tempo, o oportunismo do PT. Este nos acusava de neoliberais, quando na verdade sabíamos as consequências da irresponsabilidade fiscal. Agora, diante do desastre que suas políticas demagógicas provocaram, não há alternativa à austeridade fiscal. Esta pesará sobre todos, mas custará mais caro aos assalariados. Pior: os ajustes vêm sendo feito sem crença por parte do PT e sem horizonte de esperanças para o povo.
Qual estratégia parece mais correta: apoiar a política de Joaquim Levy, porque confirmaria as teses tucanas, ou atacá-la porque seu sucesso fortalece o PT?
Para mim, o adversário não é o Levy, mas o lulopetismo, ao qual, neste momento, o Levy serve. Mas, entre os dois, há o Brasil. Como sair da armadilha? Votando o indispensável e mostrando que o que se faz agora é uma operação de resgate dos desastres do governo petista. Sem responsabilizar o ministro pelo que não é de sua alçada, ele, para manter vivo um governo que perdeu credibilidade e, portanto, as condições para oferecer um futuro promissor, submete o País a uma cirurgia sem a anestesia da esperança.
O País precisaria, para sair da situação atual, de um plano para “vender” ao eleitorado - isso ocorreu em 1994, com o Real. O partido deveria estar cuidando disso?
O Plano Real não foi feito apenas para baixar a inflação. Seu objetivo era - e conseguiu - repor em funcionamento saudável as finanças públicas. Daí as privatizações, as agências reguladoras, o Proer e o Proes, a transformação das empresas estatais em empresas que respondessem às exigências do mercado e ao interesse público. Tiramos delas o caráter de repartições obedientes aos interesses partidários. Os governos petistas foram reduzindo a importância das agências reguladoras, ampliando estatais e submetendo-as aos interesses partidários. Não fosse a inépcia do lulopetismo, e o Brasil estaria em melhor situação.
Para se fortalecer para 2018, que plano deve ser adotado?
Tem-se de restabelecer agora a confiança e a credibilidade perdidas pelo governo atual. Recomposta a confiança e rearranjadas as bases fiscais, teremos que abrir oportunidades para investimentos na área de infraestrutura, enfrentar com coragem os desafios educacionais e repor a economia com avanços tecnológicos. Em vez de protecionismo e ineficiência governamental, uma política industrial que apoie a modernização tecnológica e uma abertura comercial que nos faça presentes nos mercados globais mais dinâmicos. Só assim conseguiremos financiar programas sociais, criar bases não demagógicas e oferecer empregos de qualidade.
A linha agressiva do programa eleitoral na TV lhe pareceu adequada? O PSDB trocou o “deixar sangrar” pelo “fazer sangrar” para dificultar a volta de Lula?
A frase de que diante do “mensalão” seria melhor deixar o Lula sangrar foi de um dirigente do PFL, não do PSDB. Eu temia outra coisa: com o prestígio até então inabalado, Lula abriria uma fenda histórica no País, acusando “as elites” de o haverem derrubado. Foi pensando na unidade nacional que me pareceu arriscado o impeachment. Agora, diante do quadro de corrupção e inépcia escancarado, o PSDB precisa ser mais direto e duro nas críticas, com a mesma motivação, a de evitar que o País mergulhe na desilusão e na descrença.
O que são direita e esquerda, neste século 21?
O qualificativo de “direita” aplicado ao PSDB é pura jogada eleitoreira do PT. Com que autoridade um partido que governa com um lídimo representante do sistema financeiro controlando a economia, uma líder ruralista autêntica na agricultura e que entregou o comando congressual ao PMDB, sem que eu queira criticar estas pessoas, ainda se arroga em designar-se “de esquerda” e de acusar seus adversários polares como “direitistas”?
E o que separa, concretamente, hoje, o PT do PSDB?
Tanto PT como PSDB são versões da social-democracia que variam pelo grau maior de aceitação da centralização econômica pelo PT; maior apego à democracia, inclusive quanto à liberdade de opinião e dos meios de comunicação pelo PSDB; igual empenho na inclusão social, embora o PT simbolicamente expresse esse desejo com mais força; coincidência quanto a que a via revolucionária perdeu vigência. No presente, as diferenças maiores são quanto à aceitação das regras de mercado, implícita, mas relutante pelo PT, ou explicitamente pelo PSDB. Sempre com a ressalva de que elas não são absolutas; a ação do Estado é básica para assegurar os objetivos nacionais e para tentar equilibrar as desigualdades do capitalismo.
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