- O Estado de S. Paulo
Buscar emprego será o esporte de inverno para centenas de milhares de pessoas postas na rua pela recessão, no Brasil, e ainda sujeitas a preços em disparada. Foram fechadas 452.835 vagas formais nos 12 meses terminados em maio. Nos primeiros cinco meses do ano foram 243.948 postos encerrados e há sinais de piora. O semestre finda com desemprego na vizinhança de 8%, inflação no rumo de 9%, atividade em queda e Tesouro em crise, enquanto a presidente Dilma Rousseff saúda a mandioca e o PT defende as empreiteiras investigadas na Operação Lava Jato.
Não há mistério na preocupação do PT e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com as empreiteiras. Mas o entusiasmo presidencial com a mandioca, apontada como “uma das maiores conquistas do Brasil”, intriga por um detalhe: por que “conquista”? Embora o assunto seja fascinante, o Brasil poderá sobreviver sem resposta a essa pergunta. Difícil, mesmo, será sair do atoleiro com uma governante frágil, confrontada no Congresso, condenada e esnobada por seu eleitor mais importante, acuada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e em risco permanente de ser contaminada pelo escândalo da Petrobrás.
Em breve a presidente deverá explicar ao TCU as pedaladas fiscais do ano passado. Não há como negar os atrasos de repasses, tentativas evidentes de maquiar as contas da administração federal. Restará discutir se os adiantamentos feitos por bancos oficiais, com recursos próprios, caracterizam financiamento ao governo e, portanto, violação da Lei de Responsabilidade Fiscal. A resposta dependerá mais de sutilezas legais do que de uma simples e límpida verificação financeira. Não há, enfim, como excluir a hipótese de um arranjo para poupar a presidente e evitar uma crise política muito mais grave.
Contornado esse risco, sobrarão todos os grandes desafios – técnicos e políticos – do programa de governo. Com uma Presidência quase vaga e muita resistência no Congresso, a equipe econômica terá de avançar, de qualquer forma, no conserto das contas públicas, no ataque à inflação e na busca do retorno ao crescimento. Nessa altura, já se terá decidido, quase certamente, se a meta inicial para as finanças públicas será mantida ou se o governo buscará um resultado menos ambicioso. A meta original, um superávit primário de R$ 66,3 bilhões para pagamento de juros, parece hoje quase inalcançável.
O governo central – Tesouro, Previdência e Banco Central (BC) – deve, em princípio, alcançar um resultado primário de R$ 55,2 bilhões, ficando o resto para os demais níveis da administração e para as estatais. O poder central fechou o mês passado com um déficit primário de R$ 8 bilhões e acumulou em cinco meses um superávit de apenas R$ 6,63 bilhões, 67,5% menor que o de um ano antes, descontada a inflação. Para cumprir a sua parte de acordo com o plano original terá de obter um resultado primário de R$ 48,6 bilhões em sete meses, quase um milagre. É preciso um enorme otimismo para apostar nisso. Com a economia atolada, a receita em cinco meses, R$ 529,57 bilhões, foi 3,5% menor que a de janeiro a maio de 2014.
Nada permite prever um quadro muito melhor no segundo semestre. O novo cenário apresentado pelos economistas do Banco Central em seu relatório trimestral de inflação é bem pior que o anterior. A inflação prevista para ao ano subiu de 7,9% para 9%, enquanto a contração estimada para o produto interno bruto (PIB) passou de 0,5% para 1,1%. No mercado financeiro, a mediana das projeções na semana anterior já era de um PIB 1,46% menor que o do ano passado. Para a produção industrial estava prevista uma redução de 3,65%. Um mês antes ainda se estimava uma diminuição de 2,8%.
Antes de sair o balanço do governo central, o pessoal da Receita já havia apontado os efeitos da recessão na coleta de impostos e contribuições. As quedas da produção industrial, do emprego, do consumo e das importações puxaram para baixo a arrecadação dos principais tributos. Se a atividade continuar deprimida, o aumento de alíquotas dificilmente reforçará de forma significativa a posição do Tesouro.
Além do aumento da tonelagem de grãos e oleaginosas, têm aparecido, no País, poucos indicadores positivos. O BC reduziu de US$ 84 bilhões para US$ 81 bilhões o déficit previsto para a conta corrente do balanço de pagamentos. Se a projeção for confirmada, haverá uma inegável melhora contábil, especialmente se for levado em conta o resultado de 2014, um buraco de US$ 104,84 bilhões. Mas a explicação principal será a piora da economia. Pela estimativa do BC, a exportação de mercadorias será 10,95% menor que a de um ano antes. O encolhimento da importação será bem maior, 14,68%. Com o desemprego elevado, a renda corroída, o consumo retraído e mais uma redução do valor investido em máquinas e equipamentos, a diminuição das importações será, como tem sido até agora, inevitável.
Com a depreciação do real os produtos brasileiros deveriam ficar mais baratos no exterior, mas nem por isso as exportações deixaram de cair. O dólar mais caro pode ter pesado em algumas importações e certamente afetou a disposição de viajar e de gastar fora do Brasil. Mas o desequilíbrio menor das contas externas tem sido até agora, e com certeza será até o fim do ano, explicável principalmente pelo mau estado da economia.
Se o ajuste avançar e a inflação diminuir, retomar o crescimento será mais fácil. Mas ainda falta implantar medidas para o aumento da produtividade, uma condição indispensável. O programa de infraestrutura e o recém-anunciado plano de exportações indicam o caminho. Mas ainda são uma lista de bons propósitos. Sua execução depende, em parte, de recursos orçamentários muito escassos. A conquista do crescimento parece bem mais difícil, por enquanto, que a conquista da mandioca.
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Rolf Kuntz é jornalista
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