- O Globo
O Plano Real faz 21 anos em momento em que os políticos ameaçam suas bases. Não foi bastante levar uma vida para conquistar a estabilidade monetária, é preciso continuar lutando para mantê-la. A presidente Dilma corroeu pilares da Lei de Responsabilidade Fiscal com suas manobras ciclísticas nas contas públicas. O Congresso tem agido como se desconhecesse os riscos e as lições do passado.
Nossa saga pela moeda estável consumiu décadas do país. A inflação de três dígitos indexada, recebida do governo militar, foi enfrentada por anos. Houve planos sequenciais. Alguns erraram e feriram direitos. Foram executadas difíceis tarefas de reformas institucionais. O dia primeiro de julho de 1994 é a marca no chão dessa travessia, mas ela foi sendo construída aos poucos e foi consolidada depois, com a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Em cada experimento econômico, o país viveu esperanças e decepções. Famílias foram atingidas, firmas fecharam, sonhos foram desfeitos. Houve muitos erros nos planos Cruzado, Bresser, Verão, mas nada atingiu mais os direitos individuais do que o Plano Collor, há 25 anos. Depois das afrontas, o país se preparou para fazer o plano definitivo. A inteligência do real foi entender que havia trabalho para fazer antes e depois do momento da troca da moeda e que a estabilidade tem pilares que jamais podem ser atacados.
Um deles é que a contabilidade pública tem que ser fidedigna. O governo Dilma atacou esse primado através de mil e uma estratagemas e agora se explica ao Tribunal de Contas. Outro pilar é evitar a indexação. E ela tem sido fortalecida. Nos últimos dias, por exemplo, por decisões do Congresso sobre a Previdência. A Câmara indexou todos os benefícios previdenciários ao salário mínimo que, por decisão de diferentes governos, vem desde o Plano Real subindo mais do que a inflação, para recuperar seu valor perdido durante a hiperinflação. Dias antes, o Congresso havia facilitado a aposentadoria precoce no país que, ao contrário do mundo, não estabelece idade mínima.
É espantoso que a presidente da República tenha autorizado seus alquimistas a esconder a verdade sobre receitas e despesas, minando o equilíbrio das contas e os princípios da Lei de Responsabilidade Fiscal. É desconcertante que a Câmara dos Deputados esteja aumentando as despesas da Previdência, quando o dilema do país é como torná-la mais sustentável, porque esse é o momento exato em que a massa de aposentados vai crescer a 4% ao ano durante pelo menos uma década e meia. Temos políticos que ignoram os números, desconhecem o passado e ameaçam o futuro.
Quando a inflação está em 8,5%, como agora, basta uma onda de desconfiança, um incentivo, uma chispa de pólvora, para que os agentes econômicos indexem seus preços. Neste caso, nem é pela inflação passada, é pelo medo da taxa futura. Se já estamos em 8,5%, quem tiver poder de formação de preços pensará assim: é melhor elevar para 10% ou 15%. Quem sabe, os 16%, com que foram corrigidos os planos de saúde. Se a energia saltou 60% e afetou os custos, melhor é repassar ao consumidor, para não ter prejuízo. E assim, com decisões isoladas, a inflação ganha musculatura, chega a dois dígitos e continua subindo.
Estamos vendo os sinais do perigo voltando. Os jornais informam que um mesmo produto pode ter preços 50% maiores em diferentes estabelecimentos. Isso leva quem cobrava menos a subir o seu preço. Quando o ambiente é de alta, corrige-se para cima, sempre. Os que, porventura, seguram os reajustes, no primeiro momento, vão querer subi-los mais adiante, quando o país retomar o crescimento. Essa é a lógica da inflação que se reproduz e cria resistência e inércia. Por isso foi tão difícil vencer esse mal. Ele tem em si mesmo, a partir de determinado ponto, o combustível para a sua aceleração.
Minha convicção de jornalista que viu a travessia, registrou cada passo e sobre isso tem escrito ao longo da vida, é que há 21 anos o país fez uma escolha de ruptura com o passado de desordem monetária. A arrumação das contas públicas, a busca da meta de inflação não são capricho de um ministro isolado, da diretoria do Banco Central ou de um conselho que reduz o teto tolerável. O país escolheu a moeda estável. Revogar essa escolha é insensatez.
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