- O Estado de S. Paulo
Uma coisa é preciso que se diga a respeito de Lula: o homem se acha! É verdade que nenhum outro político pode se gabar de trajetória tão brilhante. Esse mérito ninguém lhe tira. Mas é verdade, também, que o destino andou conjugando as circunstâncias de modo a facilitar essa jornada. E contou, justiça seja feita, com uma mãozinha do interessado, que aprendeu cedo que a vida é um pouco mais complicada do que o conflito entre o bem e o mal, mas teve a astúcia de manter o mal sempre à vista, para contra ele investir cavalgando o bem de lança em punho, impávido e determinado.
Depois de vencer quatro eleições presidenciais, duas diretamente e duas por controle remoto, é natural que Lula se sinta cheio de si a ponto de acreditar, agora, que tudo o que começou a dar errado só pode ser atribuído a uma imperdoável circunstância: ele não continuar ocupando o trono que deixou provisoriamente aos cuidados de uma sucessora – que falseta do destino! – muito incompetenta.
Não se poderia esperar outra coisa, portanto, senão que Lula tente defender a preservação de seu precioso legado apelando ao recurso mais eficiente de seu repertório de encantador de massas: deitar falação. Para Lula, mais do que qualquer outra coisa, o político tem de falar. Falar muito. Se conseguir pensar também, ajuda. Mas, como a categoria não prima pela conjugação frequente das duas habilidades, que pelo menos fale. O conteúdo ele próprio fornece, se for o caso. Afinal, ele é o cara.
Assim, há meses Lula não faz outra coisa senão martelar a cabeça de sua cada vez mais rebelde pupila – se é que ainda a considera como tal – com o mantra que abre o caminho da luz na senda obscura e tortuosa que ela anda trilhando: Fale ao povo, minha filha, fale ao povo.
Para Lula, que parece continuar achando que o povo acredita em tudo o que ele e sua turma falam, bastará que Dilma Rousseff passe a falar o que precisa: em vez de coisas negativas, como Operação Lava Jato e ajuste fiscal, ela tem de criar uma agenda positiva e passar a falar sobre fim da inflação, crescimento econômico, fim do desemprego, pátria educadora, saúde para todos, transporte bom e barato, segurança nas ruas e dentro de casa, enfim, tudo aquilo que – falemos francamente – dá votos, em vez de volume morto.
Resta saber, porém, se o povo ainda está disposto a dar ouvidos à presidente que se reelegeu prometendo uma coisa e entregando outra. A julgar pelas pesquisas de opinião pública, não está. Apenas 9% dos brasileiros ainda avaliam positivamente o governo e por isso se entusiasmariam com novas promessas. Não é à toa que há um bom tempo Dilma não se expõe em ambientes abertos nos quais estará inevitavelmente sujeita ao constrangimento de vaias e impropérios. E o próprio Lula tem mantido a mesma postura cautelosa: só aparece e fala em círculos restritos, sob rigoroso controle de segurança, e diminuiu sua presença nesses eventos depois que muitos deles tiveram quórum baixo.
Mas o que é, exatamente, que Lula quer que Dilma diga ao povo? O que é que ela tem de bom a dizer?
Tanto não tem, que Lula e o PT ficam falando que ela precisa criar a tal agenda positiva. A hora, porém, não é de fazer promessas, pelo simples fato de que a presidente não tem nenhuma credibilidade para fazê-las. Estaria Lula sugerindo que ela deve, então, mentir? A última experiência nesse campo, durante a campanha reeleitoral, não foi feliz.
Se é para mentir, ou então, dito de forma mais sutil, dourar a pílula, levar o povo na conversa, Lula deve, ele próprio, sair pelo País soltando o verbo, deitando falação, para o que lhe sobram talento e repertório. Ele até se diz disposto a isso, mas tem alegado que só poderá fazê-lo depois que Dilma lhe apresentar, se não um programa de governo, pelo menos algumas propostas objetivas e bem adornadas para serem exibidas à massa arredia. Trata-se, porém, de um blefe, pois não cometerá a imprudência de se expor para valer diante do povo e sabe que isso não mudará tão cedo.
É claro, argumentará o petista otimista, que Dilma precisa continuar falando a todos que os governos do PT, entre muitas outras conquistas, criaram o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida, tiraram milhões de brasileiros da miséria e promoveram outro tanto à classe média. Com boa vontade, é verdade. Mas a insistência na propagação dessas proezas teria exatamente o mesmo nenhum efeito prático que teve em 2002 os tucanos se vangloriarem do Plano Real, que havia acabado com a inflação galopante que sacrificava principalmente os pobres e lançado as bases para a estabilidade e o posterior crescimento econômico. Esses feitos – só para recordar –, apesar de Lula chamá-los de "herança maldita", alavancaram as conquistas econômicas e sociais que turbinaram sua extraordinária popularidade de então.
Num país livre e democrático, conquistas sociais e econômicas, por mais importantes que sejam, só são úteis como ativos eleitorais até o momento em que, incorporadas ao cotidiano dos cidadãos, são substituídas por novas reivindicações impostas pela dinâmica social. E é aí que Lula, Dilma e o PT se complicam: estão pondo a perder o que construíram lá atrás e não têm mais credibilidade, nem recursos, para sustentar um projeto de poder que micou porque acabou se transformando num fim em si mesmo.
Está na hora, portanto, de Lula parar de achar que ainda é o maioral e também com o papo furado de "falar ao povo". Pois sabe que só terá condições e tempo útil para fazê-lo, mirando 2018, se Dilma for afastada da Presidência e ele, na oposição, ficar livre para acionar a metralhadora giratória e praticar aquilo que sabe fazer como ninguém: ser contra "tudo isso que está aí". Se não, vai continuar no movimento pendular peculiar à sua condição de metamorfose ambulante.
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*A. P. Quartim de Moraes é jornalista
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