- O Globo
Depois de todas as revelações da Operação Lava-Jato - incluindo o indiciamento do empreiteiro Marcelo Odebrecht pelos crimes de fraude a licitação, lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva, crime contra a ordem econômica e organização criminosa; e a condenação, pelo juiz Sérgio Moro, a 15 anos de prisão de vários dirigentes da Camargo Corrêa, outra gigante da construção -, por que seria surpreendente que o ex-presidente Lula esteja sendo investigado por suas relações com a Odebrecht, quando se sabe que a atuação do cartel de empreiteiras na Petrobras aconteceu durante todo o governo Lula, entrando pelo de Dilma, e que o PT foi o grande artífice do esquema de corrupção, montado para financiar o partido e seus aliados?
"Lula está apoiando empresas corruptas a fazer negócios corruptos no exterior", definiu Alejandro Salas, diretor regional para as Américas da Transparência Internacional em Berlim. A declaração dá o título de uma reportagem da revista americana "Foreign Policy", uma das mais prestigiadas sobre política internacional.
Por que acreditar que os negócios que o governo brasileiro apoiou, por meio de empréstimos do BNDES, em países africanos e ditaduras latino-americanas como Cuba, ou protoditaduras como a Venezuela, são corretos, quando se sabe o histórico de negociatas envolvendo esses governos totalitários, e temos, no próprio Brasil, o exemplo invulgar da Refinaria Abreu e Lima, que custou até agora seis vezes o que fora previsto, numa associação da Petrobras com a PDVSA que nunca deveria ter saído do papel?
Beira o patético a afirmação de que Lula, ao viajar nas asas da Odebrecht pelo mundo, estava só querendo ajudar uma empresa brasileira a ter êxito no exterior, que Lula está sendo acusado de ajudar o país.
Mesmo que o ex-presidente estivesse cumprindo apenas uma agenda de palestras nesses países, uma atividade legítima de diversos ex-presidentes pelo mundo, ele não poderia levar dirigentes de empreiteiras a reuniões palacianas com os dirigentes do país em que atuava como palestrante, justamente para não misturar as coisas. O conflito de interesses está bastante claro nessa atitude dupla de misturar prestígio pessoal como ex-presidente com negócios particulares.
Os negócios particulares do ex-presidente dos Estados Unidos Bill Clinton tiveram que ser contidos quando sua mulher Hillary assumiu como secretária de Estado no governo Obama, e até mesmo financiamentos de países árabes para programas sociais de sua fundação foram paralisados, devido ao óbvio conflito de interesses.
Mesmo assim, a "Foreign Policy" critica o hábito de atividades particulares de ex-presidentes e ex-primeiros-ministros não serem investigadas com rigor, citando, além do caso de Clinton - considerado um claro conflito de interesse nunca totalmente resolvido -, diversos outros, como os do ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair, que hoje faz parte de diversos conselhos de empresas e bancos de investimentos, ou do ex-chanceler alemão Gerhard Schröder, que dirige uma empresa de energia ligada ao governo russo.
Vários ex-presidentes pelo mundo, porém, estão sendo ou foram investigados por fatos que aconteceram durante seus mandatos, o que se deve provavelmente a fatores culturais. No Brasil, até hoje não houve condições políticas para que Lula fosse incluído no rol de investigados pelo mensalão, por exemplo, quando ficou claro que, para que o processo pudesse ter êxito, a culpa teria que parar no ex-chefe da Casa Civil José Dirceu.
E, mesmo no caso do petrolão, com informações de diversos acusados de que a campanha presidencial de 2010 foi irrigada com dinheiro desviado da Petrobras, não há até agora nenhuma investigação sobre a responsabilidade de Lula no esquema, embora ele tenha começado em seu governo.
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