• Proposta da União de repassar só 10% da receita com CPMF a estados e municípios provoca reações
Martha Beck, Simone Iglesias, Maria lima e Cristiane Jungblut - O Globo
O modelo de recriação da CPMF em estudo pelo governo desagrada até a governadores, que receberiam parte do tributo. A proposta prevê que mais de 90% da arrecadação sejam destinados à União, e só 10% a estados e municípios. A proposta de recriação da CPMF, que está em estudo no governo e deve ser enviada ao Congresso no início da próxima semana, prevê que mais de 90% da arrecadação do novo tributo fiquem nas mãos da União. Segundo técnicos da equipe econômica, o projeto deve fixar a alíquota em 0,38% de cada movimentação financeira. Deste total, 0,35 ponto percentual iria para o governo federal, e apenas 0,02 para estados e 0,01 para municípios. Os governadores já começam a reagir à recriação da contribuição e ao percentual considerado “irrisório” que a presidente Dilma Rousseff quer destinar a estados e municípios.
As projeções do governo indicam que a arrecadação anual do tributo chegará a, pelo menos, R$ 80 bilhões. Isso significa que, deste total, R$ 73 bilhões ficariam com a União; R$ 4,2 bilhões, com os estados; e R$ 2,1 bilhões, com os municípios. Os técnicos, no entanto, ressaltam que a contribuição será destinada à Saúde, e, por isso, uma parte da fatia do governo federal também acabará indo para os governadores e prefeitos, por causa de programas partilhados pela União com os demais entes.
Um dos principais aliados de Dilma, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), não concorda com a proposta de repartição da CPMF. Dino apoia a recriação da contribuição, mas dentro de um conjunto de ações, como criação do imposto sobre grandes fortunas.
— Primeiro, acho que a alíquota não pode ser de 0,38%. Depois, que a distribuição deve levar em conta que a maioria dos serviços é municipal ou estadual: atenção básica, UPAs, urgência e emergência, alta complexidade, por exemplo — reclamou Dino.
Os governadores do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg ( PSB), e do Rio Grande do Sul, José Ivo Sartori (PMDB), apoiam a recriação da CPMF, mas desde que o governo federal proponha uma divisão mais justa. Ambos consideraram 0,02 ponto percentual para os estados muito pouco. Sartori, que deu calote no pagamento da dívida com a União e vem atrasando o pagamento dos salários dos servidores públicos, afirmou por meio de sua assessoria que é fundamental que haja maior participação dos estados e dos municípios nos 0,38%.
No congresso, repercussão ruim
Rollemberg, que também enfrenta dificuldades para pagar o funcionalismo, defendeu que a contribuição seja recriada, mas que os recursos sejam destinados exclusivamente para a Saúde. Disse que o 0,02 ponto não pode ser considerado uma divisão do bolo.
Governadores de oposição, como Pedro Taques (MT), e até alguns governistas, como Raimundo Colombo (PSD), dizem ser contra a mudança.
— No momento de grave crise econômica, não é a hora de criar mais impostos. E o percentual que o governo quer destinar aos estados e municípios não resolve os problemas — disse Taques.
A discussão desarticulada feita pelo governo deve atrapalhar a votação de medidas pós-ajuste, de interesse da área econômica. Causou mal-estar no Congresso a forma como o governo agiu sem se articular com os líderes na Câmara e no Senado. Aliados avisaram ao Palácio do Planalto que a “falta de sensibilidade” do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, atrasará a aprovação do projeto da repatriação de recursos que estão no exterior. O líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT-MS), apresentou um texto inteiramente novo, mas o assunto foi atropelado pelo debate da CPMF. Aliados dizem que agora “não há clima” para votar o projeto semana que vem. Delcídio não escondeu o incômodo com a volta da CPMF.
— As chances de aprovação no Senado são remotas. Em 2007, havia muito mais condições, os governadores eram a favor, mas ela foi derrubada — disse.
Só depois de a ideia de criação do novo imposto ter se tornado pública, na quinta-feira à noite, Dilma ligou para o vice Michel Temer para conversar sobre o tema. Incomodado por não ter sido consultado, Temer deixou claro que não tem condições de trabalhar no Congresso nos termos em que a proposta foi apresentada. Disse estar “impossibilitado”, devido às suas convicções pessoais sobre o tema.
Temer fez uma avaliação de que a ideia teria grande resistência no Congresso e também no setor produtivo. Dilma, então, pediu que Temer conversasse com Levy. Apesar do cenário delicado, o ex-ministro Delfim Netto afirmou ontem que já há um arranjo político para a aprovação da volta da CPMF:
— Vai ter uma pressão enorme para a aprovação da CPMF. Vamos ter aumento de imposto, seja por inflação ou um aumento de imposto de fato. Para mim, o melhor é dizer o que será feito com esses recursos. (Colaboraram Isabel Braga, Júnia Gama e Ana Paula Ribeiro)
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