• Estatais e grupos privados se desfazem de negócios pouco lucrativos
Companhias tentam driblar recessão e dólar alto. Empreiteiras sofrem também com Lava-Jato
A crise econômica levou as principais empresas brasileiras a realizarem uma verdadeira liquidação de ativos. Entre negócios recentemente vendidos e outros que ainda buscam comprador, companhias de diferentes setores estão se desfazendo este ano de R$ 150 bilhões. A lista inclui desde participações em aeroportos até fábricas de alimentos e uma mina de carvão. A situação é mais grave nas empreiteiras por causa da Lava-Jato. “Para algumas empresas, era vender ativos ou quebrar”, diz Ricardo Carvalho, diretor da Fitch Ratings. O dólar alto tornou o preço dos ativos em reais mais baixo e pode facilitar a venda, afirmam analistas.
Um saldão de R$ 150 bilhões
• Recessão, alta do dólar e Lava-Jato levam empresas pública e privadas a vender ativos
Bruno Rosa, Danielle Nogueira, Danilo Fariello, Geralda Doca, João Sorima Neto e Ana Paula Machado - O Globo
RIO, BRASÍLIA e SÃO PAULO - Afetadas pela crise econômica, preocupadas em aumentar a geração de caixa ou em se adaptar à nova realidade do mercado — focando em segmentos mais estratégicos e lucrativos —, empresas públicas e privadas estão promovendo um verdadeiro saldão de ativos. Levantamento feito pelo GLOBO em diferentes setores aponta que as companhias estão tentando se desfazer de ao menos R$ 149,6 bilhões. Para se ter uma ideia do tamanho desta operação, a cifra equivale ao Produto Interno Bruto (PIB) da Bahia no ano passado. É comparável ainda ao orçamento de seis usinas Belo Monte. Ou ainda: o montante é pouco superior ao impacto causado pela Operação Lava-Jato, da Polícia Federal, na economia brasileira em 2015, segundo cálculos da GO Associados (R$ 140 bilhões).
Na lista de empresas, estão Petrobras, Vale, Eletrobras e Infraero. As construtoras, afetadas pela Operação Lava-Jato, também entraram em temporada de liquidação, que inclui a venda de participações em diversas concessões. Analistas destacam que, apesar da instabilidade econômica, a forte alta do dólar — muito próximo dos R$ 4 — contribui para atrair investidores estrangeiros.
— O Brasil está barato. Houve desvalorização de 60% a 70% no valor dos ativos nos últimos 12 meses por causa da alta do dólar. E a liquidez internacional é gigantesca — diz Fabio Silveira, diretor de pesquisa da GO Associados.
Ele avalia que a crise econômica pode durar até três anos e que a turbulência política, apesar de criar instabilidade institucional, é menor que os problemas políticos e sociais de outros emergentes, como os países do Leste Europeu e do Oriente Médio.
Governo pode levantar R$ 10 bi com aeroportos
Mas há desafios. Especialistas citam o caso da Petrobras, que vem sentindo os efeitos da crise econômica e da Operação Lava-Jato. Em meio ao maior escândalo de sua história, a estatal foi obrigada a cortar investimentos e vender ativos para reduzir seu nível de endividamento, que deve ter chegado a R$ 500 bilhões no fim de setembro, agravado pela alta do dólar e pela queda do preço do petróleo. Sua meta é se desfazer de US$ 15,1 bilhões (R$ 59,6 bilhões) até o fim do ano que vem.
— A companhia precisa vender ativos, mas ainda não conseguiu bom resultado. Até a abertura de capital da BR Distribuidora foi adiada — diz Eduardo Roche, sócio-gestor da Canepa Asset Brasil.
Com o fim do superciclo das commodities, principalmente devido à desaceleração da China, a Vale apertou o passo de seu programa de venda de ativos. Para este ano, a expectativa da mineradora é levantar de US$ 6 bilhões a US$ 7 bilhões (até R$ 27,6 bilhões) com desinvestimentos e parcerias. No rol dos ativos que foram para a prateleira estão participações no corredor logístico de Nacala e uma mina de carvão, ambos em Moçambique.
A Vale frisa que a reorganização de portfólio foi iniciada em 2011, quando passou a focar em “ativos de classe mundial, com baixo custo, vida longa e potencial de expansão”. O objetivo é fazer caixa para tocar projetos essenciais, como o S11D (expansão do Complexo de Carajás, no Pará), o maior da história da companhia, orçado em US$ 16 bilhões.
A CSN é outra que está à caça de compradores. São dois os ativos oficialmente à venda: o terminal de contêineres de Sepetiba (Rio de Janeiro), avaliado em cerca de R$ 1 bilhão, segundo fontes de mercado, e a fatia da empresa na Usiminas. Mas não está descartada a venda de ações que a siderúrgica detém na MRS e as subsidiárias de embalagem.
Em recente relatório, a agência de classificação de risco Fitch avaliou que a empresa precisa vender R$ 4 bilhões nos próximos dois anos para reduzir seu endividamento. A dívida líquida da companhia no fim do segundo trimestre estava em R$ 20,7 bilhões. A CSN não comenta.
A empresa estava correndo contra o tempo para negociar com potenciais compradores, mas conseguiu fôlego mês passado, ao alongar cerca de R$ 5 bilhões de sua dívida de curto prazo. O cenário não ajuda. Além da sobreoferta mundial de aço, a demanda por produtos siderúrgicos vem caindo no Brasil, com a desaceleração econômica.
Marco Aurélio Barbosa, estrategista da CM Capital Markets, que acompanha 180 companhias de capital aberto no país, lembra que a venda de ativos é uma saída extrema para evitar a quebra:
— Antes, ela pode reduzir investimentos, enxugar custos, demitindo pessoas ou revendo contratos, por exemplo. Mas, quando há um descasamento enorme entre a geração de caixa e os custos para se manter, a saída é vender. O problema é que o comprador acaba oferecendo valor muito depreciado e, com a economia em retração, isso se potencializa.
No setor aéreo, o governo planeja vender os 49% de participação da Infraero nos aeroportos já concedidos à iniciativa privada — Brasília, São Paulo (Guarulhos e Viracopos), Galeão (no Rio) e Confins (Belo Horizonte). Segundo estimativas da equipe econômica, a meta é faturar ao menos R$ 10 bilhões. Na nova rodada de concessão, prevista para 2016, os aeroportos de Fortaleza, Salvador, Florianópolis e Porto Alegre deverão ser integralmente entregues ao setor privado.
— Haverá demanda dos estrangeiros. Os ativos estão baratos e a instabilidade econômica e política também pesa, o que pode deixá-los mais em conta — diz o advogado Roberto Nasser.
Nas montadoras, saída é cortar vagas
Entre as empreiteiras, a Lava-Jato colocou sob os holofotes pesos-pesados como OAS, Odebrecht, Galvão Engenharia e UTC. Endividadas, com contratos cancelados e sem crédito, ao menos cinco empresas, com dívidas que somam R$ 15 bilhões, pediram recuperação judicial. E vão vender ativos para tentar quitar dívidas. Caso da OAS, que colocou à venda sua fatia de 22,44% na Invepar, empresa que tem participação no aeroporto de Guarulhos, Metrô Rio, entre outros. A empreiteira espera arrecadar R$ 2,2 bilhões com a venda. Já a UTC está vendendo os 23% que detém no aeroporto de Viracopos. O valor estimado é de R$ 450 milhões. Procuradas, as empresas não comentam.
— Para algumas empresas era vender ativos ou quebrar — afirma Ricardo Carvalho, diretor da Fitch Ratings.
Há exemplos até no setor de carnes processadas. Em junho, a Marfrig vendeu para a JBS por US$ 1,5 bilhão (R$ 4,5 bilhões ao câmbio da época, R$ 3,10) a marca de alimentos Moy Park, com base na Irlanda do Norte. A empresa ganhou fôlego para reduzir o endividamento, de R$ 10 bilhões, sendo 92% em moeda estrangeira, segundo o analista Felipe Martins, da Coinvalores. A BRF se desfez de ativos não prioritários — concluiu a venda da unidade de lácteos em julho para a francesa Lactalis — para se concentrar em bovinos e suínos e produtos processados. A unidade de lácteos representava 10% da receita líquida, justifica a empresa.
Na indústria automobilística, a opção foi recorrer a suspensões temporárias do contrato de trabalho ( lay off), férias coletivas, licenças remuneradas, adoção do Programa de Proteção ao Emprego (PPE) e demissões. Segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), até agosto foram fechadas quase 10 mil vagas. No centro das turbulências que atravessam o setor elétrico e com negócios sob investigação na Operação Lava-Jato, a Eletrobras vai encolher e concentrar suas atividades em setores onde o governo considera a presença estatal estratégica: as grandes hidrelétricas e linhas de transmissão. Na quarta-feira, o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, recebeu da consultoria Roland Berger levantamento dos ativos que poderiam ser colocados à venda. Participações da Eletrobras e suas subsidiárias estão no radar.
— Estamos trabalhando em um projeto de reestruturação e em uma nova estratégia da holding, bem como a de cada uma das coligadas e das distribuidoras. Temos 154 Sociedades de Propósito Específico embaixo da Eletrobras. A nossa meta é fazer um grande enxugamento nisso, mas temos de avaliar cada uma delas. Isso está sendo feito — disse o ministro ao GLOBO.
Celg: valor estimado de R$ 8 bi
Além dessas participações, a Eletrobras planeja se desfazer das distribuidoras de energia nos estados, ou pelo menos de parte desses ativos. A primeira a ser vendida é a Celg, de Goiás, onde a estatal tem 51% de participação. A companhia tem valor de mercado estimado em R$ 8 bilhões. Outras seis distribuidoras poderão ser vendidas, ou pelo menos parte dos ativos: Cepisa, do Piauí; Ceal, de Alagoas; Eletrobras Amazonas; Ceron, de Rondônia; Eletroacre, do Acre; e Bovesa, de Roraima. Também estão na lista a CEA, do Amapá; e a CERR, de Roraima, onde a Eletrobras tem apenas participação.
— O Brasil está à venda. O grande problema dessas distribuidoras é má gestão da Eletrobras, que sofre com indicações políticas. Mas são empresas interessantes com um grande mercado e que vão dar retorno a seus investidores. A Equatorial, por exemplo, comprou a distribuidora do Maranhão e a do Pará, e as empresas já são lucrativas. O mesmo vai ocorrer com a Energisa, que comprou o Grupo Rede, que estava sob intervenção, e agora já se fala até em dividendos — diz Nivalde de Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel), do Instituto de Economia da UFRJ.
A estratégia do governo é começar a se desfazer dos ativos da Eletrobras menores, como usinas eólicas, pequenas hidrelétricas e linhas de transmissão curtas. Isso porque são considerados ativos mais líquidos e com demanda garantida, conforme revelaram leilões recentes, segundo uma fonte do governo.
Na quarta-feira, o ministro Eduardo Braga recebeu o presidente do conselho da Eletrobras e atual diretor de Infraestrutura do BNDES, Wagner Bittencourt, para tratar da venda da Celg e debater o relatório da Roland Berger. Segundo Braga, o governo ainda espera procedimentos do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para vender a distribuidora goiana.
Apetite chinês
Mais do que arrecadar recursos para a União, a venda de ativos do setor elétrico visa a reduzir o endividamento da Eletrobras e fortalecê-la financeiramente nas áreas em que o governo considera fundamental a presença forte da estatal. Essa seria uma alternativa para resolver os problemas de caixa dentro da própria empresa, uma vez que o acesso a financiamentos ficou mais restrito, disse uma fonte.
Segundo especialistas, as distribuidoras vão atrair interesse dos investidores estrangeiros, sobretudo, os chineses.
— Os grandes concorrentes serão os chineses até por causa do dólar — lembra Nivalde, explicando que os grupos nacionais estão sem caixa para investir nesses projetos.
Procurada para comentar suas projeções de investimentos e vendas de ativos, a Eletrobras limitou-se a enviar fato relevante sobre o Plano de Negócios 2015 a 2019, aprovado em 31 de julho, e informou que “qualquer comentário adicional será feito em comunicado ao mercado quando necessário”.
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