• Ao se aliar a Cunha, a oposição perde o discurso ético e a sintonia com a opinião pública. É tudo o que o Planalto precisa para barrar o impeachment
Correio Braziliense, 25/10/2015
Na madrugada do dia 24 de junho de 1812, o exército de Napoleão atravessou o rio Nemen e invadiu a Rússia. Eram 678 mil combatentes, levando 1.420 canhões. Havia soldados da Prússia, Áustria, Bavária, Saxônia, Itália, Polônia, Espanha, Croácia e até de Portugal, em 10 corpos de exército, quatro tropas de cavalaria, mais a força de elite da Guarda Imperial, comandado pelo próprio Napoleão, com 250 mil homens, a maioria franceses, e 527 canhões.
O Exército de 900 mil homens da Rússia estava disperso na Moldávia, na Crimeia, no Cáucaso, na Finlândia e em regiões do interior, longe da fronteira ocidental, onde havia apenas 280 mil homens e 934 canhões. A única tentativa de reação russa foi frustrada pelo marechal francês Davout, que bloqueou a passagem do general Pyotr Bagration, que se deslocava com 62 mil homens pela Bielorrússia para se juntar aos 160 mil do general e ministro da guerra, Mikhail Bogdanovich Barclay de Tolly, perto de São Petersburgo. Sem condições de contra-atacar, os russos começaram a se retirar em direção a Moscou.
Na medida em que avançava, porém, a Grande Armée sofria os males da campanha: a fadiga, a fome, a deserção e a morte. No lado oposto, Barclay foi destituído do comando pelo czar Alexandre I e substituído pelo velho general Mikhail Illarionovich Kutuzov, que manteve a estratégia de seu antecessor. Napoleão, então, rumou direto para Moscou. Trágico engano.
Kutuzov decidiu lutar. Estacionou 155 mil homens e 640 canhões na aldeia de Borodino, a menos de 150km de Moscou. No dia 7 de setembro, às 6 horas da manhã, Napoleão deu início ao ataque com apenas 135 mil homens e 587 canhões da sua guarda. O sangue jorrou até depois do pôr-do-sol. Apesar de vitorioso, amargou 58 mil mortos, incluindo 48 marechais. Os russos perderam 66 mil homens, entre eles o general Bagration. A falta de reforço e o massacre fizeram Kutuzov se retirar, mas em ordem.
Do alto das colinas da aldeia de Borodino, a 124km de Moscou, enfraquecido, Napoleão Bonaparte hesitou atacar o que restara das tropas de Kutuzov. Pretendia se apossar da cidade, cujas cúpulas douradas já podiam ser avistadas no horizonte, sem luta. Aguardava a rendição oficial e um tratado de paz assinado pelo czar Alexandre I, mas nada aconteceu. No dia 14 de setembro, Napoleão se cansou e iniciou a invasão final. Esperava o mais dramático combate, mas não houve a batalha.
Moscou, com 250 mil habitantes à época, fora evacuada. Estava reduzida a 25 mil pobres e miseráveis, sem ter o que comer. O fogo tomou conta da cidade, cujas casas eram de madeira. Após cinco semanas acampando sobre as cinzas da cidade, Napoleão decidiu dar meia volta e iniciar o retorno à França, numa dramática retirada em pleno inverno, fustigado pelo exército e pelos guerrilheiros russos. O resto da história todos sabem: os soldados russos marcharam até Paris.
O pântano
A campanha do impeachment da presidente Dilma Rousseff corre sério risco de virar uma espécie da Batalha de Borodino. Os partidos de oposição começam a sangrar por causa do impasse em torno da aceitação ou não do pedido pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Reapresentado pelo ex-deputado Hélio Bicudo, um dos fundadores do PT, e pelo jurista Miguel Reale Júnior, com apoio dos partidos de oposição, PSDB, DEM, Solidariedade e PPS, o novo pedido incorpora as “pedaladas fiscais” de 2016, que o governo nega existirem.
A decisão de abrir o processo de impeachment cabe ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que manobra para ganhar tempo e evitar a própria cassação, por quebra de decoro parlamentar, em razão de mentir quanto à existência de suas contas na Suíça. As provas reveladas pelo Ministério Público Federal, entretanto, são contundentes. Na quinta-feira, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki determinou o sequestro de R$ 9,6 milhões que o parlamentar possuía na Suíça. A Operação Lava-Jato investiga o recebimento de R$ 5 milhões de propina da Petrobras, que teriam abastecido essas contas.
O pedido de cassação de mandato impetrado pela Rede e pelo PSol, com apoio de 52 parlamentares, porém, coloca em xeque os líderes da oposição que relutam em subscrevê-lo, na esperança de que Cunha despache a favor da abertura do processo de impeachment. O governo também aposta num acordo com Cunha, pelo qual seu mandato seria preservado em troca da rejeição do pedido de impeachment. O tempo, porém, corre a favor da presidente Dilma e contra a oposição.
Ao se aliar a Cunha, a oposição perde o discurso ético e a sintonia com a opinião pública. É tudo o que o Planalto precisa para barrar o impeachment, pois é bem provável que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, peça o afastamento de Cunha da presidência da Câmara. Diante dos fatos, não será surpresa se o mesmo for aceito pelo Supremo Tribunal Federal (STF), enquanto o impeachment se atola no terreno pantanoso do baixo clero da Câmara, apesar do amplo apoio nas ruas.
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