• Impeachment de Dilma não deve mais ser único foco
- Valor Econômico
Figura mais discreta entre os agitadores das manifestações contra a presidente Dilma Rousseff, o empresário paulista Rogério Chequer, um dos porta-vozes do movimento Vem pra Rua, não esconde a avaliação conservadora sobre o destino do impeachment, a bandeira que unifica os que clamam contra o governo, panelaços à parte nas aparições presidenciais em rádio e televisão.
"O impeachment entrou em temperatura menor porque o governo marcou um golaço no Supremo aos 46 do segundo tempo. E outro gol do ponto de vista da comunicação, quando conseguiram ligar o afastamento ao Eduardo Cunha", comentou, em seu bem estruturado escritório na zona sul de São Paulo.
Chequer se referia à reviravolta do STF em dezembro quando, em uma reação capitaneada pelo ministro Luís Roberto Barroso, a maioria do plenário da corte derrotou o voto do ministro Edson Fachin que referendava o rito estabelecido por Eduardo Cunha para a tramitação do impeachment. Sobre o presidente da Câmara, o engenheiro que hoje se dedica a uma empresa de consultoria vaticina: "se este pedido de impeachment se frustrar, deixará de ter acontecido por causa dele".
A maior colaboração de Cunha à continuidade da administração de Dilma Rousseff teria sido dada em meados do ano passado. O pedido de impeachment assinado por Hélio Bicudo, Janaina Paschoal e Miguel Reale Júnior foi protocolado no dia 1º de setembro. Não por acaso, a mesma data em que foi apresentado o bem sucedido pedido de afastamento do então presidente Fernando Collor, 23 anos antes. Naquela época a aceitação foi quase automática. Já Cunha demorou três meses para deferir.
Chequer sustenta que a história do país teria sido outra com a polêmica do impeachment iniciada no Congresso ainda em setembro. Em 16 de agosto, cerca de 600 mil pessoas tinham ido às ruas na manifestação pelo "Fora Dilma". Foi o advento do "pixuleco", o bonecão do Lula vestido de presidiário. Seria a força devastadora de uma ideia à qual chegou seu tempo, como na frase de Vitor Hugo.
Quis os cálculos políticos de Cunha que o deferimento acontecesse apenas em dezembro, quando a única rua que se enche de gente em São Paulo é a 25 de março. "É um 'timing' que não poderia ter sido melhor para o governo", comenta Chequer.
A variável Michel Temer também não colaborou para que o impeachment andasse com mais pressa no ano passado, na avaliação de um de seus instigadores. Nada contra o vice-presidente da República, mas, na visão de Chequer, perdeu-se energia no exercício de futurologia do que seria um governo Temer e de como seria sua sucessão, o que dispersou forças do objetivo central. A energia de um impeachment é a da negação ao atual governante, e não a construção do projeto alternativo do mandatário que vem a seguir.
O próximo encontro das ruas com seus agitadores está marcado para 13 de março, um ano após a épica manifestação que deixou o governo indignado e a oposição perplexa. O que se espera é uma multidão muito maior do que a de agosto e infinitamente mais expressiva que as de dezembro, mas nada comparável ao espetáculo do março de 2015. A pauta para o encontro está em aberto, mas dificilmente o impeachment será o carro-chefe, ou pelo menos uma bandeira exclusiva.
É de se prever um grito um pouco mais generalizado de repúdio à classe política, onde evidentemente Lula será um ser estelar, mas em meio a uma constelação. As investigações de hoje parecem seguir um sistema heliocêntrico em que o ex-presidente é o astro-rei, mas 40 dias é tempo suficiente para que caminhos se bifurquem. Com certeza haverá espaço para pedir o afastamento de Renan Calheiros e de Barroso, vistos como os escoteiros de Dilma. Eduardo Cunha se somou ao grupo e deve sobrar até para Marina Silva e o ministro Marcelo Castro, o autor das frases simples e engenhosas.
Quanto menos focado for o grito das ruas, mais distante tende a estar delas a classe política. Apoiadores da permanência de Eduardo Cunha na presidência da Câmara tendem a se inibir. Cardeais do PSDB e do DEM nada lucram com um repúdio no estilo que "se vayan todos" que marcou a Argentina no início da década passada.
A cólera difusa constrange os próprios mobilizadores. O Movimento Brasil Livre (MBL), corrente mais radical de convocadores, prepara uma nominata de candidatos Brasil afora no próximo outubro. Também haverá candidatos que irão se apresentar como sendo do Vem pra Rua, ainda que a perspectiva visivelmente incomode Chequer. Em países como Espanha e Itália, a onda anti-partidos favoreceu o surgimento de novas siglas à direita e à esquerda da hegemonia dominante. No Brasil, não há movimento semelhante. De certo não é o caso do Rede, uma sigla que ao fim e ao cabo sobrevive do prestígio pessoal de uma presidenciável.
As ruas de 2013 não deram frutos nas eleições do ano seguinte. A agitação que marcou 2015 dificilmente propiciará uma safra de prefeitos e vereadores conectadas com a direita que ganhou voz. A crítica ao sistema representativo tornou-se um traço de união entre 2013 e 2015. Talvez este tenha sido, aliás, o único elo entre as duas ondas. Estudos já mostraram que diferem os organizadores, diferem o público em seu nível de renda, faixa etária, lugar de moradia e nível educacional.
Este ponto em comum, que é a repugnância em relação ao sistema representativo, estiola as possibilidades de capitalização da insatisfação pelo meio político.
O próprio sistema partidário, salvo em casos pontuais, exercita a prudência. Misturam-se na multidão, evitam carros de sons, dão a entrevista a pequenos grupos, potencializam a participação nas redes sociais. Aécio Neves, José Serra, Ronaldo Caiado e Jair Bolsonaro testam os limites, mas não são parceiros de forma alguma. É um meio em que muito facilmente se transita para a linha de tiro.
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