• "Nós estamos em um outro planeta", diz Arminio
- Valor Econômico
Parte relevante do mundo experimenta juros negativos, o que seria inimaginável alguns anos atrás. O ambiente que propicia essa prática singular é o de baixo crescimento e deflação nas economias desenvolvidas. Esta é mais uma rodada de afrouxamento monetário que aumenta a liquidez internacional. O canal pelo qual a liquidez externa afeta o Brasil é o da taxa de câmbio.
Isso explica, por exemplo, por que o dólar teve na quarta-feira a terceira maior queda da sua história no mercado global. A recente apreciação da moeda americana parece estar batendo no teto, levando a um desmonte de operações no mundo. No Brasil ocorre o mesmo. Ontem, o dólar aqui fechou cotado a R$ 3,8945, com queda de 0,60%.
Há um movimento de expansão da liquidez global diante dessa nova rodada de afrouxamento monetário em países desenvolvidos. O Brasil não se beneficia diretamente da queda do preço do petróleo no mercado externo porque aqui os preços dos combustíveis não caíram para que a Petrobras possa aproveitar desse momento e fazer caixa.
Mas pode-se estar abrindo uma fresta para que a inflação ceda um pouco com a apreciação da moeda. A valorização do real não estava nas previsões do mercado. O último relatório trimestral de inflação falava de uma taxa de câmbio de R$ 4 a R$ 4,20 para este ano. A questão é saber quanto de uma cotação inferior do dólar frente ao real vai se transmitir para a inflação doméstica, permitindo uma queda dos juros.
Arminio Fraga, ex-presidente do BC e sócio da Gávea Investimentos, não conta com um impacto de magnitude relevante que permita, por exemplo, o Banco Central reduzir os juros. "O impacto disso não chegaria a 50 pontos-base na taxa de juros", avalia.
A reviravolta que está ocorrendo neste início de ano na economia global pode até abrir uma janela para o Brasil, diz ele, "uma pequena folga, mas em um contexto de um problema fiscal enorme, profundo e de difícil solução em um país que não consegue fazer as mudanças de mais longo prazo porque ninguém acredita". Ou seja, não muda nada ou muito pouco.
Foram essas informações sobre a cena externa, porém, que levaram o Comitê de Política Monetária (Copom) a manter a taxa Selic em 14,25% ao ano na última reunião. A tendência é de os bancos centrais pararem para ver o que vai acontecer, a exemplo do Federal Reserve. No Brasil não foi diferente, disse uma fonte oficial. Parar para ver o que acontece significa que o Copom deixou a questão em aberto à espera de novas informações até a reunião de março. Por enquanto o que há é uma "grande perplexidade", comentou a fonte.
Nesse ínterim, o Banco do Japão introduziu, na semana passada, a política de taxa de juros negativa para animar a economia. Foi uma iniciativa inédita do BC japonês.
O Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA), além de informar que monitora a situação econômica e financeira global, recomendou aos grandes bancos que considerem, nos seus testes de stress, a possibilidade de juros negativos. O Fed, portanto, pode não aumentar os juros na reunião de março, como era esperado por parte do mercado. Grandes instituições internacionais já estão revendo o crescimento da economia americana para baixo. O UBS fez uma revisão de 2,8% de expansão para 1,5% este ano e já há quem fale em 1%.
O Banco Central Europeu (BCE) está apontando para novas medidas de estímulo em março ao mesmo tempo que os juros estão negativos na zona do euro desde meados de 2014.
O reflexo dessa política nos bancos europeus tem sido forte. Do início do ano para cá o sistema bancário da região perdeu 25% do seu valor segundo o índice da bolsa europeia.
A caixa de ferramentas dos bancos centrais está ficando vazia para enfrentar o que pode ser a "estagnação secular", expressão usada por Larry Summers, ex-secretário do Tesouro americano, para retratar um longo período de baixo crescimento, envelhecimento da população, excesso de poupança e limites ao endividamento das famílias.
Juros negativos não necessariamente vão estimular o investimento e o consumo em um cenário de grandes incertezas, que traz notícias preocupantes sobre a China - país que deverá ter taxas de crescimento bem mais modestas, de 2% a 3%, de acordo com os ganhos de produtividade - e sobre os baixos preços do petróleo, com implicações para empresas do setor, para os países produtores e para o sistema financeiro internacional.
Os governos não estão conseguindo criar um horizonte de crescimento sustentável no longo prazo para animar os investidores e consumidores. O mundo pós-crise de 2008/2009 passou por várias etapas até chegar no "terreno perigoso" dos juros negativos, segundo Arminio. Os " quantitative easing" (QEs) sucederam a limitação dos banco centrais em criar estímulos à economia com os juros nominais próximos a zero ("zero lower bound"). Depois veio o uso da comunicação dos BCs para guiar os mercados para juros mais baixos na curva longa ("guidance").
O fato, porém, é que mesmo com os afrouxamentos monetários de toda a sorte da crise global para cá, os juros no Brasil continuaram elevados - exceto no período em que caiu para 7,25%, mas teve que voltar para 14,25% em um ciclo prolongado de aperto monetário que começou em abril de 2013.
Arminio acredita que, para o país, interessa mais o que está acontecendo aqui, seja o desarranjo fiscal ou a imensa fragilidade política do governo. "Nós estamos em um outro planeta", comenta ele. A queda dos juros nos países desenvolvidos é uma tendência que já vem ocorrendo há 30 anos e, enquanto isso, no Brasil foram curtos os momentos em que a taxa real se aproximou dos juros internacionais. No fim de 2011 o juro real era de 5,5%, caiu para 3,70% em 2012, durante a crise na zona do euro, e voltou para o patamar de 7%.
Para um ex-diretor do Banco Central, enquanto o país não conseguir reduzir o prêmio de risco o BC não terá como reduzir a taxa Selic.
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