quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Cristiano Romero: Nelson Barbosa 2.0

• Ministro da Fazenda lida com problemas que ajudou a criar

- Valor Econômico

Ocupando o desafiador cargo de ministro da Fazenda no momento mais difícil dessa função em 22 anos de Plano Real e no terceiro pior desempenho da economia brasileira na história da República, Nelson Barbosa lida com problemas que ajudou a criar. Ele foi, desde o segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o principal ideólogo das mudanças da política econômica que prevalecia no país desde 1999, quando se adotou o regime de metas para a inflação.

Barbosa é o mais longevo dos economistas a serviço de governos do PT. Começou, já em 2003, primeiro ano de Lula no poder, como assessor de Guido Mantega no Ministério do Planejamento. No ano seguinte, foi com o ministro para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Voltou para Brasília, desta vez para a Fazenda, em março de 2006, levado novamente por Guido Mantega.

No fim daquele ano, começou a se aproximar de Lula ao se licenciar do cargo para participar da campanha presidencial. Foi ali, como porta-voz de temas econômicos da campanha, que começou a ganhar projeção. Ao contrário de seu então chefe, Barbosa sempre exibiu um discurso lógico, claro, inteligível à maioria dos interlocutores, típico de economistas políticos.

O que talvez muitos não tenham percebido é que Barbosa não estava ali a passeio. Ele tinha uma missão: ajudar Dilma Rousseff, então ministra da Casa Civil, a mudar a política econômica que, sob o comando de Antonio Palocci, prevaleceu nos três primeiros anos do governo Lula.

Dilma quis mudar essa política já em 2003, quando ainda era ministra das Minas e Energia. Não teve força para isso porque esbarrou no pragmatismo de Lula. De tanto ouvi-la criticar a política de Palocci, o então presidente chegou a lhe encomendar um plano alternativo, que, por sorte, Dilma jamais formulou - se o tivesse feito, muito provavelmente Lula não a teria nomeado para a Casa Civil no auge do mensalão.

Na Casa Civil, Dilma, que na ocasião já se comunicava com Nelson Barbosa, impediu que Palocci aprofundasse, no fim de 2005, o ajuste fiscal iniciado em 2003. Depois do episódio em que a então ministra qualificou de "rudimentar" o plano de Palocci, este perdeu força e foi tragado pouco depois pelo escândalo da quebra do sigilo bancário de um caseiro - denunciado, foi inocentado três anos depois.

Iniciado o segundo mandato de Lula em 2007, Barbosa foi nomeado secretário de Acompanhamento Econômico. Já influente, foi um dos mentores do Programa de Aceleração Econômica (PAC), plano idealizado para projetar Dilma politicamente. No momento em que a economia brasileira começava a crescer de forma mais rápida, com controle da inflação e disciplina fiscal, a ideia era voltar ao passado: forçar o aumento do investimento em infraestrutura com a participação das estatais e do crédito público subsidiado.

Em 2008, Barbosa assumiu a secretaria de Política Econômica, onde intensificou a interlocução com Dilma, já escolhida por Lula para disputar a sucessão. Dessa proximidade, surgiram políticas públicas como o Minha Casa, Minha Vida.

Naquele ano, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, defendeu que se criasse uma nova fonte de recursos para o banco, uma vez que o funding do banco estava minguando. Barbosa disse "não": Coutinho teria que, anualmente, ir a Brasília bater na porta da Fazenda para solicitar dinheiro. Foi assim que, entre 2008 e 2014, o Tesouro captou R$ 504 bilhões (cerca de 10% do PIB!) a juros de mercado e os emprestou, a juros subsidiados, ao BNDES.

Iniciado o reinado de Dilma Rousseff em 2011, Barbosa ascendeu ao cargo de número 2 da Fazenda e defendeu, desde o início, a redução da meta de superávit primário como condição para a economia crescer de forma mais rápida. Palocci voltou ao governo, mas ficou isolado: ele era voz forte, mas isolada na defesa da disciplina monetária e fiscal. Deixou a Casa Civil antes do término dos primeiros seis meses da nova gestão, em meio a denúncias de enriquecimento ilícito - o caso foi arquivado dois anos depois.

Com a saída de Palocci, não havia mais em Brasília obstáculos à guinada definitiva da política econômica que Barbosa sempre defendeu. Os juros administrados pelo Banco Central foram reduzidos na marra, o câmbio foi desvalorizado e depois administrado e a disciplina fiscal foi abandonada. Na Nova Matriz Econômica, nada deu certo e o país entrou numa das mais graves crises de sua história. A inflação voltou a dois dígitos, a economia está em recessão desde o segundo trimestre de 2014, o PIB pode fechar o biênio 2015-2016 com encolhimento de 8% e a taxa de desemprego pode chegar ao fim deste ano acima de 10%.

Em meados de 2013, Barbosa deixou o governo graças a uma disputa de poder com aquele que, dez anos antes, o levou para o Planalto Central - Guido Mantega tem inúmeros defeitos, menos o da deslealdade; tendo permanecido no cargo de ministro até 31 de dezembro de 2014, levou sozinho a culpa pela tragédia da Nova Matriz.
Dilma ganhou a eleição em 2014 dizendo que, se o BC tivesse independência, faltaria comida na mesa dos brasileiros - o marqueteiro que bolou essa mistificação está, neste momento, preso na superintendência da Polícia Federal em Curitiba (PR) -, mas sabendo que, em 2015, seria obrigada a dar uma guinada nas próprias ideias. Desde o início, quis nomear Barbosa para comandar a Fazenda, mas teve que engolir Joaquim Levy.

Levy cometeu seus próprios erros, mas não caiu por causa deles. Sua queda começou em maio, quando, ao pedido de um contingenciamento de R$ 70-80 bilhões, deram-lhe o simbólico 69,9. Dois meses depois, impuseram-lhe a redução da meta de superávit e, em agosto, empurraram-lhe uma proposta de orçamento com déficit primário embutido. Por trás de todas as derrotas de Levy, estava ele, Nelson Barbosa.

Em conversas com a presidente, disse que a diminuição da meta aceleraria o crescimento e que apenas com crescimento haveria equilíbrio fiscal. Com a inevitável perda do grau de investimento, passou a defender a adoção de medidas para estimular a atividade e a admitir o crescimento da dívida.

Em entrevista a Ribamar Oliveira e Leandra Peres, Barbosa reconheceu que, com o atual nível de gastos do governo, não se consegue estabilizar a dívida pública, que apenas em 2015 cresceu nove pontos percentuais, para 66,2% do PIB. Ele disse que o nível de receitas também não permite a acomodação da dívida e que a solução do problema fiscal passa pelas duas variáveis

Nelson Barbosa tem hoje um discurso que corrige, em alguma medida, o Nelson Barbosa que ajudou a jogar o Brasil na crise em que se encontra hoje.

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