- O Globo
Desde 2005, o custo dos juros pulou de 4,6% para 10% da renda dos brasileiros. Esse é um dos indicadores que mostram o resultado de uma década de estímulo às dívidas. O problema é que após o aumento do endividamento e do gasto com os juros, o cenário se deteriorou, com a alta da inflação, do desemprego, e a mais profunda recessão de que se tem notícia. Esse é o pior ambiente para estar endividado.
A consequência disso é o aumento da inadimplência. Os economistas acreditam que é baixo o risco de uma crise financeira como aconteceu nos EUA, mas dizem que isso vai atrasar a recuperação do PIB. O processo de desalavancagem, ou seja, de redução do endividamento, é sempre difícil, e no caso brasileiro tem sido agravado pelos juros exorbitantes.
A economista- chefe do SPC Brasil ( Serviço de Proteção ao Crédito), Marcela Kawauti, explica que o spread bancário está muito elevado porque os bancos já estão incorporando em seus cenários o aumento do calote. A contradição é que, por temer o crescimento dos casos de não pagamento, os bancos elevam a taxa para se proteger, mas acabam agravando o quadro.
Os indicadores do BC mostram que os atrasos com mais de 90 dias saltaram de 5,17% em março do ano passado para 6,1% em dezembro, do total de crédito livre concedido a pessoas físicas. Essa taxa já foi maior, em 2012, quando chegou a 7,2%, e acendeu a luz vermelha no mercado financeiro. Kawauti explica que, embora o número agora seja menor, é preciso cautela, porque os bancos estão mais seletivos na concessão de empréstimos, e ainda assim o indicador está em alta:
— Os bancos estão há um bom tempo escolhendo melhor os tomadores de crédito, pedindo mais garantias, encurtando prazos e limites. Então, o normal seria o indicador cair. A piora da economia se sobrepõe à melhora das carteiras por parte dos bancos.
A economista lembra que os números do SPC indicam que os atrasos estão aumentando não só nas dívidas financeiras, mas também em vários serviços, como de telecomunicações, água, luz e outros tipos de taxas:
— Na Região Norte, a quantidade de contratos inadimplentes no setor de telecomunicações subiu 9,89% em janeiro, em relação ao mesmo mês de 2015. No Nordeste, houve alta de 12,3%. Já nas regiões Centro- Oeste e Sul, os maiores atrasos foram nas contas de água e luz, com altas de 13,3% e 17%. No Sudeste, estamos sem estatísticas, por causa de uma lei de São Paulo que dificultou a negativação dos inadimplentes.
Kawauti não acredita em risco de uma crise sistêmica, ou seja, que uma avalanche de inadimplência possa desestabilizar o sistema financeiro, como aconteceu nos EUA. Mas explica que o impacto é retardar ainda mais a recuperação do PIB brasileiro.
— Os bancos são muito conservadores no Brasil, o Banco Central tem regras rígidas, e a relação crédito/ PIB ainda é baixa, apesar de ter dobrado. O principal efeito será retardar a volta do crescimento, porque o spread ficará elevado, e isso vai dificultar consumo, produção e investimentos — afirmou.
O endividamento total das famílias passou todo o ano de 2015 na casa de 46% da renda acumulada em 12 meses. Permaneceu estável. Mas esse percentual é quase o dobro dos 25% de 10 anos atrás. Quando sai da conta o crédito imobiliário, houve redução de 31%, em 2012, para 27% no final do ano passado.
Muita dívida foi estimulada para alavancar o crescimento dos governos Lula e Dilma. A conta chegou no momento mais difícil, de forte recessão. Será preciso dose extra de esforço para reorganizar os orçamentos e evitar as armadilhas dos juros.
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