- O Estado de S. Paulo
O governo sabia, pelo menos desde meados de outubro do ano passado, que o marqueteiro para toda obra - tratado como “40.º ministro” - havia caído na malha da Lava Jato. Os investigadores encontraram referências a pagamentos feitos no exterior, nas anotações registradas no telefone celular de Marcelo Odebrecht.
A citação estava em código. “Feira” era o destinatário do dinheiro, identificado como João Santana numa espécie de trocadilho com a cidade baiana que une o apelido ao sobrenome do marqueteiro. A informação chegara aos ouvidos do senador Delcídio Amaral e fora repassada à presidente Dilma Rousseff e ao antecessor, Lula, nas várias e constantes conversas que mantinha com ambos.
Inverossímil, portanto, o espanto com que alegadamente governo e PT receberam a notícia da ordem de prisão temporária de Santana. Difícil dar fé, pelo mesmo motivo, à incredulidade aludida pelo publicitário diante da decisão do juiz Sérgio Moro. A ideia contida aí nessa simulação é a de fingir surpresa diante da ocorrência de ilícitos. Como assim, pagamentos feitos de maneira irregular? Que história é essa de que o dinheiro das campanhas eleitorais petistas pode ter origem nas propinas das empreiteiras?
Uma história que começou a ser contada há mais de dez anos na CPI dos Correios pelo marqueteiro Duda Mendonça quando confessou ter recebido “por fora” para fazer a campanha de Lula em 2002. Até aí tivemos uma narrativa incompleta que esbarrou na complacência (mal) estudada da oposição e na versão amenizada do caixa dois. Duda pagou o devido à Receita, livrou-se das acusações, mas o aviso estava dado: havia algo mais que contabilidade paralela nas contas petistas.
Não obstante o alerta que levou os conselheiros do então presidente da República a cogitar da hipótese de Lula não concorrer à reeleição, a via do ilícito continuou a ser adotada pelo partido como forma de financiamento. Isso enquanto o PT “lavava” a imagem defendendo com ardor a reforma política, tendo como ponto crucial a instituição do financiamento público de campanhas sob a alegação de que nas doações empresariais é que residia a origem da corrupção no País.
Nos bastidores desse teatro, o modo de operação dos desvios era aperfeiçoado ao ponto da urdidura de um crime supostamente perfeito: contratos superfaturados, cuja “sobra” era encaminhada ao partido que, por sua vez, declarava ao Tribunal Superior Eleitoral as doações na forma da lei. E assim, à sua revelia, o TSE passou a fazer parte do esquema no papel de lavanderia de propinas.
A conclusão não é minha nem decorre de juízo precipitado. Está baseada no conteúdo dos depoimentos de vários delatores que dependem da veracidade de suas informações para obter benefícios da Justiça, nas afirmações contundentes do procurador-geral da República, nas palavras do juiz Sérgio Moro decorrentes do exame das provas já coletadas, no produto das ações de busca e apreensão feitas pela Polícia Federal e na sustentação que os tribunais superiores têm dado aos procedimentos da Operação Lava Jato.
Substituto de Duda Mendonça na arquitetura das vitórias do PT, João Santana não foi atingido agora por uma coincidência. Foi, isto sim, alcançado pelos efeitos da reincidência de um grupo político que invoca constantemente o preceito constitucional da presunção de inocência, mas que preferiu apostar na presunção da impunidade.
João Santana, o gênio conhecedor dos meandros do poder, certamente não embarcou de gaiato no navio. Como de resto estiveram cientes do conteúdo os porões, todos os demais navegantes, dos comandantes aos tripulantes. Ninguém governa por quatro períodos consecutivos sendo o último a saber.
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