O governo jogou no ralo mais um pouco de sua já escassa credibilidade, ao adiar para o fim de março o corte de gastos federais. Com isso se perde mais um mês, enquanto o País continua afundando na recessão, com inflação em alta e dívida pública em rápido crescimento. Decidido pela presidente Dilma Rousseff, o adiamento é mais um marco de uma longa história de incompetência e de irresponsabilidade. Depois de arrasar as contas fiscais com uma enorme sucessão de erros e de imprudências, a presidente e sua equipe vacilam diante da tarefa de limpar a bagunça e de arrumar as finanças oficiais. Essa faxina é parte indispensável de qualquer política de reativação dos negócios. Não haverá confiança para novos investimentos, para consumo e para recomposição de estoques sem a indicação de um rumo para o País. Para isso é necessário algo mais que um governo catatônico e sem energia para reagir aos próprios desacertos.
A decisão de adiar os cortes foi o resultado principal de uma reunião da presidente com a Junta Orçamentária, formada pelos ministros da Fazenda, Nelson Barbosa, do Planejamento, Valdir Simão, e da Casa Civil, Jaques Wagner. Enquanto isso, o público deve contentar-se com mais um decreto provisório para execução do Orçamento. A despesa de janeiro a março ficará limitada a 3/18 do total previsto para o ano. O adiamento dos cortes, segundo se alegou, deve dar tempo para o estudo de um plano mais amplo de ajuste.
Até essa desculpa comprova a incapacidade de ação da presidente e de seus auxiliares. Agem como se fossem recém-chegados a Brasília e ainda tivessem de examinar a situação. Mas iniciaram o segundo mandato há mais de um ano e foram incapazes, nesse tempo, de conter a deterioração das contas públicas. Também continuam devendo um plano claro e confiável de recuperação das finanças oficiais e de controle do endividamento. Uma de suas façanhas mais notáveis, no ano passado, foi motivar o rebaixamento do crédito soberano ao grau especulativo por duas grandes agências de classificação, a Standard & Poor’s e a Fitch.
As duas decisões de rebaixamento, em setembro e em dezembro, ocorreram depois de erros escandalosos na política orçamentária. Nas duas ocasiões, e sempre com a participação do ministro Nelson Barbosa, então no Planejamento, a presidente endossou propostas de relaxamento da meta de superávit primário, o dinheiro posto de lado para o serviço da dívida pública – normalmente, no caso do Brasil, apenas para o pagamento de uma parcela dos juros. Ao adiar, agora, o plano de contenção de gastos, o governo comete um erro muito parecido com aqueles seguidos, no ano passado, por duas decisões de rebaixamento da nota de crédito.
O Orçamento aprovado para este ano inclui uma previsão de superávit primário equivalente, pela estimativa inicial, a 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Para alcançar esse resultado seria necessário um corte de gastos na faixa de R$ 50 bilhões a R$ 60 bilhões. Além disso, o Congresso precisaria recriar até maio a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). A previsão de corte encolheu rapidamente, até chegar a algo entre R$ 16 bilhões e R$ 18 bilhões, uma soma ridícula demais para ser simplesmente anunciada. Além disso, ainda seria necessária alguma coragem para cortar os chamados programas sociais.
As propostas prometidas para março poderão incluir um esquema de controle da despesa pública e a reforma da Previdência. Até no Executivo há oposição a esta reforma. A outra proposta, com fixação de limites plurianuais para a evolução do gasto, pode render uma boa discussão, mas o debate será afetado pela baixa credibilidade do governo. Esse fator será especialmente importante se o projeto incluir um conceito de metas flexíveis. Isso será interpretado como um truque para facilitar a gastança em anos de baixo crescimento, como este e o próximo. Não há como evitar a desconfiança, no caso de um governo com uma folha corrida tão ruim.
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