Por Letícia Casado, Murillo Camarotto e André Guilherme Vieira – Valor Econômico
BRASÍLIA e SÃO PAULO - Os depoimentos prestados por Luís Cláudio Lula da Silva e pelo lobista Mauro Marcondes sobre os contratos de consultoria firmados entre os dois apresentam uma série de contradições. Documentos da Operação Zelotes obtidos pelo Valorrevelam diferenças tanto em relação ao objeto dos contratos quanto à forma pela qual eles começaram a fazer negócios.
Também chama a atenção a baixa qualidade de um dos trabalhos prestados pelo filho do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Datado de dezembro de 2014 e orçado em R$ 600 mil, o relatório "Análise do esporte como fator de motivação e integração nas empresas" apresenta erros básicos de português, como na repetição, em 25 páginas seguidas, da grafia da palavra "fases" com a letra "z": "fazes".
A Marcondes & Mautoni, consultoria especializada em "diplomacia corporativa", realizou nove pagamentos à LFT Marketing Esportivo, empresa de Luís Cláudio Lula da Silva. Entre junho de 2014 e março de 2015, o filho do ex-presidente recebeu pouco mais de R$ 2,55 milhões. No depoimento à Polícia Federal, ele mencionou quatro contratos que, segundo atestam os documentos apreendidos na investigação, somam R$ 2,4 milhões.
Quando foi preso, em 26 de outubro de 2015, Mauro Marcondes disse à PF que conhece Luís Cláudio e que contratou a LFT para um projeto de construção de um centro de exposições no interior de São Paulo. Marcondes disse que não poderia dar mais detalhes, já que o projeto estava "em andamento".
No dia 4 de novembro, Luís Cláudio disse à PF que prestou consultoria a quatro projetos: a análise dos resultados das marcas na Copa do Mundo de 2014; o esporte dentro das empresas; o uso das arenas para exposição de marcas; e análise de risco de investimento para patrocínio dos Jogos Olímpicos de 2016. Luís Cláudio afirmou que não se lembrava dos valores dos contratos.
As minutas desses contratos diferem de todas as outras apreendidas pela Zelotes e juntadas ao inquérito policial. O contrato de maior valor - R$ 1 milhão - tinha como objeto "elaboração de análise de marketing esportivo para a indústria automobilística nacional visando a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016". A data do documento é de 2 de junho, dez dias antes de a Copa do Mundo começar.
O contrato foi assinado naquele mesmo dia, mas com outro objeto: "Análise de estudo de mercado para a indústria automobilística nacional visando as Olimpíadas de 2016, indicando os meios mais eficientes de veiculação e o material a ser divulgado". O pagamento seria feito em julho de 2014, mas acabou dividido em duas parcelas, uma em junho e outra em agosto.
Em 20 de julho, a Marcondes & Mautoni preparou minutas de contratos de serviços para a LFT. Em um deles, o objeto do contrato era "elaboração de análise de marketing esportivo como fator de motivação e integração nas empresas, com exposição de casos e oportunidades", no valor de R$ 600 mil. O contrato foi assinado em 20 de outubro e o material deveria ser entregue até 15 de dezembro de 2014.
Nele se discorre sobre a organização de um torneio esportivo. Na primeira fase, por exemplo, informa que "o líder deve ser proativo, comunicativo e ter maturidade"; na quarta, diz que "a empresa deve parabenizar o time vencedor".
Procurado, o advogado Cristiano Zanin, que representa Luís Cláudio, sustenta que não há contradições nos depoimentos de seu cliente e que a avaliação sobre a qualidade do trabalho da LFT "cabe apenas e exclusivamente ao contratante".
Zanin negou que, em seu depoimento, o filho do ex-presidente Lula teria se esquecido dos valores dos contratos. De acordo com o advogado, Luís Cláudio reconheceu que os contratos foram firmados exatamente na forma dos instrumentos assinados pelas partes que estão anexados ao inquérito policial.
Outros dois contratos foram negociados entre a LFT e a Marcondes & Mautoni, mas não chegaram a ser assinados. Somados aos quatro citados por Luís Cláudio no depoimento, os valores chegam a R$ 3,6 milhões. Segundo Marcondes, o modo adotado para se estabelecer o valor dos contratos "foi a consulta a algumas empresas, e os valores apresentados nas consultas correspondiam". Cinco minutas foram preparadas em 20 de julho de 2014.
Em relatório sobre a análise dos trabalhos apresentados pela LFT, a PF anotou que o material foi montado com base em artigos disponíveis na internet "visando camuflar sua identidade". As artes gráficas e as fotografias também foram copiadas, segundo a PF. "Verifica-se que há fortes indícios de que tais relatórios tenham sido produzidos meramente com o propósito de justificar vultosas movimentações financeiras entre as empresas investigadas", diz o relatório.
Luís Cláudio disse à PF que conheceu Marcondes no primeiro semestre de 2014, quando procurava patrocínios para o campeonato de futebol americano organizado por sua empresa. Já Marcondes alega que a contratação da LFT foi feita especialmente para dar subsídio ao projeto da construção do centro de exposições e que conheceu Luís Cláudio "através de membros que fazem parte deste projeto". Ele disse ter sido apresentado ao filho de Lula por um jornalista, do qual diz recordar apenas o primeiro nome: Alberto.
Os investigadores apuram se os pagamentos à LFT estão relacionados a um suposto esquema de compra de medidas provisórias em benefício do setor automobilístico. O material da investigação também traz documentos em que Marcondes defende o interesse de grupos suecos, entre os quais a fabricante de caças Saab, que no ano passado assinou um contrato com a Aeronáutica. Procurado, o advogado de Marcondes, Roberto Podval, afirmou que quando o empresário for interrogado "dará todas as explicações".
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