A Constituição Federal proíbe as candidaturas independentes. Há norma expressa estabelecendo como uma das condições de elegibilidade a filiação partidária (art. 14, § 3.º, V). Não se trata de uma regra meramente formal – é parte constitutiva do sistema político brasileiro que a representação seja intermediada pelos partidos políticos. O PT, no entanto, deseja inverter essa lógica, passando a assumir expressamente a identidade de um covil de quem lá queira se abrigar.
Recentemente o presidente nacional do PT, Rui Falcão, informou que o partido introduzirá na carta compromisso dos candidatos petistas nas eleições municipais de outubro uma cláusula em que se declaram “plenamente responsáveis” por sua campanha, especialmente em relação ao financiamento – aspecto que, como se sabe, nos últimos anos vem dando muita dor de cabeça às lideranças petistas, além de presença constante nas páginas policiais.
A medida anunciada por Falcão evidencia que o partido não deseja se responsabilizar por seus candidatos e suas campanhas. A mensagem é clara: cada um por si. A filiação partidária torna-se adereço formal. Ora, isso é o oposto da razão de ser dos partidos enquanto agrupamentos políticos com identidade e compromisso não apenas ideológico, mas também de cumprimento da lei.
Com a novidade petista, o eleitor passa a se relacionar diretamente com o candidato, sendo o partido absolutamente irrelevante durante a campanha eleitoral. Pior. Se a legenda não confia em seus candidatos – e exige que cada um assuma “plenamente” a responsabilidade por sua campanha –, por que o cidadão entra nessa relação de desconfiança, dando seu voto ao candidato em descrédito ou ao partido irresponsável? Trata-se de um profundo retrocesso político e institucional essa formalização da desconfiança.
Durante a reunião da Executiva Nacional do PT, Rui Falcão afirmou que “não é desconfiança de ninguém, mas, como muitas vezes há um erro, um deslize, não queremos que haja nenhuma responsabilização do partido”. Pode-se usar as palavras que queira, mas a proposta do PT passa distante de qualquer relação de confiança. A mensagem de Falcão é cristalina – o PT não quer se responsabilizar pela lisura das campanhas de seus candidatos.
Além de ser um abandono da ideia de partido – como entidade de intermediação política, congregando ideias e pessoas e assumindo plenamente as candidaturas de seus filiados –, a esquiva da responsabilidade pelas campanhas indica também que o PT não se julga capaz de permanecer íntegro nos limites da lei.
Depois de tantas denúncias de corrupção envolvendo campanhas petistas – e constando no histórico da legenda a prisão de dois de seus tesoureiros –, era de esperar que o PT se emendasse, revendo seus procedimentos e acompanhando muito de perto as campanhas de seus candidatos. Assim, ao menos, mostraria algum aprendizado depois de anos de tanta lambança.
O partido, no entanto, não parece disposto a mudar de rota. A novidade anunciada por Rui Falcão é simplesmente a blindagem da legenda, para que não seja responsabilizada por atos de corrupção eleitoral praticados por seus candidatos. A preocupação não é fazer com que as campanhas sejam conduzidas estritamente dentro da lei. A Executiva Nacional do PT está preocupada, isso sim, em proteger o partido dos efeitos da lei.
Essa atitude demonstra também uma absoluta despreocupação com os reclamos da sociedade, que exige novos patamares de honestidade na política. Depois de tantas denúncias de corrupção e condenações judiciais envolvendo políticos, o mínimo que se pode esperar dos partidos nas próximas eleições municipais é um claro compromisso com a ética. A sociedade está cansada de subterfúgios, de manobras, de saídas pela tangente, de soluções jurídicas enviesadas cuja única finalidade é a manutenção de um jogo político com práticas mafiosas. O PT, no entanto, despreza soberbamente tais anseios – e contribui mais uma vez para que a sociedade descreia da política. Será apenas natural que o eleitor não confie no candidato do qual o próprio partido – o Partido dos Trabalhadores – desconfiou.
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