• Após anos de alta forte, gasto público precisa ser contido
- Valor Econômico
Em entrevistas recentes, o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Jessé Souza, tem insistido que, no Brasil, o "Estado tem sido demonizado como corrupto e ineficiente e o mercado visto como o reino de todas as virtudes". As declarações de Souza causam estranheza, num país marcado pelo crescimento quase ininterrupto dos gastos públicos nas últimas duas décadas e onde defender a privatização é tabu em eleições presidenciais.
Professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Marcus André Melo fez uma crítica interessante às ideias de Souza, em artigo publicado na "Folha de S. Paulo" em 31 de janeiro. "As raízes do Brasil político e econômico não estão fincadas na demonização do Estado: pelo contrário, estão profundamente imbricadas na sua santificação", escreveu ele, observando que "a transição já começou", num texto que analisa a formação das instituições políticas brasileiras ao longo dos séculos XIX e XX.
O objetivo, aqui, é obviamente muito mais modesto. Embora as críticas ao Estado e à sua atuação tenham ganhado força em alguns setores da sociedade recentemente, a presença do setor público e a intervenção na economia cresceram muito nos últimos anos. Enfrentar essa questão, hoje, é decisivo para que o país possa voltar a crescer, e também para que o governo possa bancar as despesas mais importantes.
O projeto de demonização do Estado apontado por Souza em entrevistas sobre o seu livro "A Tolice da Inteligência Brasileira", se existe, parece ter fracassado. De 1997 a 2015, os gastos não financeiros do governo federal cresceram de 13,8% do PIB para 20,2% do PIB. A carga tributária aumentou muito no período, para financiar a alta das despesas. Neste ano, as isenções ou reduções tributárias devem atingir R$ 264 bilhões, o equivalente a quase 5% do PIB, segundo estudo do Credit Suisse.
A alta das despesas não financeiras do governo nos últimos anos se deve em grande parte ao crescimento de três rubricas, como têm mostrado Mansueto Almeida, especialista em contas públicas, e Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV): gastos com aposentadorias do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), custeio da saúde e educação e programas sociais, como Bolsa Família, seguro-desemprego e abono salarial.
Vários desses gastos tiveram e têm efeitos sociais positivos, como o Bolsa Família, um programa barato e que chega efetivamente aos mais pobres. Já o aumento das despesas com o INSS está numa trajetória insustentável, comprometendo o equilíbrio estrutural das contas públicas. Especialistas no tema destacam a necessidade de uma reforma da Previdência, com a definição de uma idade mínima para a aposentadoria.
A presidente Dilma Rousseff e o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, passaram a falar sobre o tema, defendendo a importância da reforma. O ministro do Trabalho e da Previdência, Miguel Rossetto, porém, parece não ver urgência no assunto, um sinal não exatamente animador para uma pauta que já enfrentará resistência na sociedade.
O aumento do custeio com saúde e educação soa uma boa notícia, mas seria fundamental haver uma análise detalhada dessas e de outras despesas. Uma avaliação criteriosa dos gastos públicos é indispensável para que se conheça a qualidade e eficácia de cada despesa do governo, verificando se o dinheiro é de fato bem empregado.
Num momento em que o governo tem sérios problemas para levantar receitas, seja pelo mau momento da atividade econômica, seja pela resistência de boa parte da sociedade a elevações de impostos, conter a expansão do gasto público é crucial. Reduzir subsídios e cortar isenções e desonerações tributárias para setores escolhidos são outros caminhos para ajudar a equilibrar as contas públicas, medidas que também enfrentam obstáculos.
Em entrevista ao Valor publicada em outubro do ano passado, Souza disse considerar "fundamental" o "fortalecimento do Estado como instância principal no processo de eliminação de desigualdade". O presente descontrole fiscal - evidenciado no enorme déficit público e na disparada da dívida bruta - coloca em risco a capacidade do governo de manter programas sociais. Além disso, esse quadro fiscal contribui para que os juros fiquem em níveis mais elevados, pressionando as contas públicas. É um quadro que fragiliza o Estado - na visão de Souza, o responsável pelas melhoras que ocorreram nas "condições das classes populares" no Brasil, segundo declarou ao Valor.
Pelo marco regulatório do setor de petróleo de 2010, a Petrobras precisa ter no mínimo 30% de participação nos consórcios vencedores das licitações do pré-sal, o que não é condizente com um país que demoniza o Estado. Num quadro de alto endividamento e preços do petróleo em baixa, essa obrigação se torna um peso para a companhia, atualmente num processo de redução expressiva de investimentos. Hoje, há discussões sobre a necessidade de capitalização da Petrobras, num momento em que o Tesouro já está numa situação fiscal muito desconfortável.
O tabu sobre privatizações em eleições presidenciais é outro sinal de que o Estado não é satanizado no Brasil. Nos últimos pleitos, candidatos de oposição se comprometeram a não vender estatais, com medo de perder votos. Pesquisa do Datafolha de março do ano passado, aliás, mostra que 61% dos entrevistados eram contra a venda da Petrobras, num levantamento realizado quando já eram bastante conhecidas as denúncias de corrupção envolvendo a companhia.
Demonizar ou santificar o Estado não ajudará a resolver os problemas da economia brasileira. Mas, num cenário fiscal extremamente complicado, será necessário redimensionar o tamanho do setor público, freando a expansão dos gastos públicos, diminuindo renúncias fiscais e reduzindo a intervenção do governo na economia. Sem isso, o próprio financiamento de programas sociais que efetivamente auxiliam os mais pobres correrá riscos, e o país terá enormes dificuldades para sair da crise atual.
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