segunda-feira, 18 de abril de 2016

Depois do tudo ou nada do impeachment - Marcos Nobre

• O principal trunfo de Temer é o calendário

- Valor Econômico

Um processo de impeachment em que tudo o que realmente conta é o que não está na peça de acusação é coisa de democracia bananeira. Só que a qualidade bananinha da democracia ficou para depois. Todo o debate vai se concentrar a partir de agora nas chances efetivas de um governo Temer se firmar.

São muitos e consideráveis os fatores que jogam a favor do quase-presidente. São fatores tanto mais consideráveis porque não dependem diretamente da habilidade política de Michel Temer, que, durante todo o processo de impeachment, mostrou-se bastante limitada. A admissão da acusação só foi alcançada por obra e graça de Eduardo Cunha, seu verdadeiro artífice e operador. Não é por outra razão que a vitória do impeachment se tornou também um cabo de guerra entre as cúpulas partidárias e as bancadas na Câmara.

O principal trunfo de Temer é o calendário. Ao assumir a presidência, no início de maio, o processo de impeachment ainda estará correndo no Senado. Ninguém acredita que o resultado no Senado será diferente daquele que saiu da Câmara. Mas Temer também não deixará de lembrar que ocupa a presidência como interino, que ainda não é, de fato, o presidente. Com isso, terá pelo menos três meses de trégua. E três meses é tudo de que Temer precisa para chegar às Olimpíadas e, na sequência, às eleições municipais. Daí até o final do ano, é um pulo. Chegar a fevereiro é outro pulo relativamente fácil de dar no calendário da política oficial.

Outros fatores importantes completam o quadro favorável do calendário. Joga a favor de Temer, paradoxalmente, a baixa expectativa. Ninguém espera muita coisa de seu governo. Isso faz com que o período inicial de trégua possa ser usado para dar vazão a inevitáveis disputas internas e ajustes de contas.

O fato de o movimento contra o impeachment ter encontrado apoio significativo na sociedade também indica que duros embates no campo aberto das ruas estão no horizonte. Ao mesmo tempo, o caráter de tudo ou nada que teve o processo de afastamento de Dilma Rousseff permite esperar, pelo menos de início, um cansaço considerável do ponto de vista da mobilização social. A brutalidade da recessão mina o apoio a qualquer governo, mas, ao mesmo tempo, contribui para a diminuição do número de greves e de mobilizações organizadas.

A expectativa de estancar a recessão a partir do final do ano também joga a favor de um governo Temer. Só que, como costuma acontecer em crises agudas, o momento em que alguma saída parece à vista é também aquele sentido como o pior. É sabido também que uma efetiva retomada do crescimento depende de muito mais do que esperar que a inércia da desgraça econômica mostre o fundo do poço. E se há alguma lição a tirar da montanha-russa do último ano é que não haverá estabilização econômica sem que antes se produza uma reacomodação do sistema político.

As chances de um governo Temer estão primeiramente nessa reacomodação. O primeiro deles é como vai lidar com a Lava-Jato. Será a hora da verdade para o núcleo de Curitiba, o momento de saber se a equipe da Lava-Jato entrará ou não em uma queda de braço com o novo governo em torno de prováveis ações para manietar a Operação. Será o momento de mostrar se é de fato uma operação de amplo espectro contra a corrupção ou apenas contra o PT. Porque a ofensiva contra Lula vai certamente continuar. A questão é saber se Temer e seu ministério também se tornarão alvos. Não alvos diretos, já que o núcleo de Curitiba não tem poder jurisdicional para denunciar políticos com privilégio de foro. Mas alvos indiretos, na medida em que está ao seu alcance exercer a competência já demonstrada no vazamento de informações capazes de inflamar a opinião pública contra qualquer arranjo estável do sistema político.

A estabilização de um governo Temer depende ainda fundamentalmente de uma acomodação do PMDB. As fraturas do processo de impeachment foram muitas e muito profundas. Para funcionar como a empresa de venda de apoio parlamentar que é, o PMDB sempre se resguardou da unanimidade e da exigência de unidade na ação. Sempre se dividiu estruturalmente, de maneira que nenhum grupo pudesse alcançar sozinho efetivo domínio sobre o partido. Exceção à regra, o impeachment foi alcançado mediante um rolo compressor a que o partido não está acostumado.

Se Temer insistir nessa mesma linha de atuação, se buscar se impor ao partido, o PMDB vai rachar de maneira inapelável. De outro lado, se não impuser a unidade, é difícil ver como conseguirá governar. O sinal mais evidente de qual caminho será trilhado está na relação com o adversário direto de Temer, Renan Calheiros. O período do andamento do processo no Senado é também o tempo de que dispõe Temer para entrar em acordo com Renan, representante do PMDB tradicional. Se tentar colocar Eunício Oliveira no lugar de Renan como âncora no Senado, que é o que parece estar tentando, a chance de se dar mal é alta.

Temer foi presidente da Câmara dos Deputados por três vezes, preside o PMDB há quinze anos. Seu governo terá uma boa folga, terá quase um ano para dizer a que veio. Mas tudo isso não substitui as habilidades requeridas para exercer a presidência da república. Os lances de Temer nessa esfera foram até agora muito mal jogados. É preciso prestar muita atenção para distinguir quem vai efetivamente tomar as rédeas do governo. Dificilmente será um partido ou um grupo dentro de um partido. O PSDB se esfacelou e o PMDB consegue dirigir ministérios que furam poço, mas não tem organicidade para dar rumo a um governo.

No final de 1992, quando, após o afastamento de Collor, Itamar Franco assumiu a presidência, foram necessários seis meses até que FHC tomasse as rédeas do governo. A preparação do Plano Real tomou quase um ano inteiro. A situação atual é muito diferente. Mas a disputa em torno da figura que vai efetivamente liderar um governo Temer não poderá exceder os mesmos seis meses do caso do governo Itamar. Se pretender dirigir seu próprio governo, as chances de que Temer se mantenha no cargo diminuirão consideravelmente.
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Marcos Nobre; é professor de filosofia política da Unicamp e pesquisador do Cebrap.

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