• Com clima tenso, votação é marcada por ataques a Cunha até de quem era favorável ao afastamento
- O Globo
Numa votação que surpreendeu mais por algumas das justificativas apresentadas pelos parlamentares do que propriamente por seus votos, a aprovação do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff, por 367 votos, numa vantagem de 25 além do mínimo necessário, foi ampliada pela adesão da maioria dos indecisos ao voto “sim”. Após quase dez horas de uma sessão que começou com empurra- empurra e bate- boca entre deputados, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, um dos personagens centrais de ontem, anunciou o resultado final às 23h48m.
Como projetou levantamento feito pelo GLOBO junto aos deputados, e atualizado até momentos antes de começar a votação, o governo foi derrotado —e a diferença se deveu pela capacidade da oposição de aglutinar os votos ainda em disputa até o início de domingo. Dos 30 deputados que chegaram ao plenário indecisos ou não quiseram antecipar seus votos, 16 optaram pelo prosseguimento do processo. Era um grupo fundamental para o Planalto tentar evitar a derrota, mas apenas dez deles votaram “não” e quatro escolheram a abstenção.
Uma ‘traição’ e duas ausências
Todos os 350 deputados que haviam se comprometido publicamente a apoiar o impeachment confirmaram o anunciado, o que já seria suficiente para a aprovação do pedido. Dos 131 que haviam divulgado apoio à presidente, um deles mudou de lado: Adail Carneiro ( PP- CE) pediu desculpas ao ex- presidente Lula e ao exgovernador cearense Cid Gomes, mas alegou que as pressões de seu eleitorado pelas redes sociais o levaram a mudar de ideia sobre o afastamento de Dilma.
Como um sinal que indicava o caminho que o plenário seguiria, a conquista de votos dos indecisos era justamente a mais comemorada pela oposição, como aconteceu com Tiririca ( PR- SP) e o ex- ministro dos Transportes Alfredo Nascimento ( PR- SP), que votou “sim” e renunciou à liderança da legenda, que havia definido apoiar a presidente.
Foram só duas ausências entre os 513 parlamentares: Aníbal Gomes ( PMDB- CE), que alegou estar em recuperação de cirurgia, e Clarissa Garotinho ( PR- RJ). Aníbal é ligado ao presidente do Senado, Renan Calheiros, e sua ausência ajuda Renan a se manter equidistante de Dilma e Temer agora que o pedido de impeachment chegará à Casa. Já Clarissa, nas duas vezes que teve o nome chamado, foi vaiada por oposicionistas, que não acreditaram na sua justificativa médica ( ela está grávida), atribuindo sua ausência à intervenção do pai, Anthony Garotinho.
Eduardo Cunha desafiado e cusparada
Pelo menos uma dezena de deputados aproveitou o tempo de dez segundos para discursar contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que enfrenta processo de cassação do mandato no Conselho de Ética da Casa. Rivais ideológicos e regionais de Cunha, os psolistas fluminenses Glauber Braga (“você é um gângster”) e Jean Wyllis (“um ladrão”) chegaram a apelar para xingamentos. Vários outros afirmaram que Cunha não tem legitimidade para comandar a Casa e houve ainda deputados que se preocuparam em dizer que o “sim” ao impeachment não significava um acordo para poupar Cunha, negando uma suposta articulação denunciada por parlamentares como Alessandro Molon ( Rede- RJ).
— Não acho legítimo um suspeito presidir uma sessão como essa. Cunha, a sua hora vai chegar. Não é por você nem pelos seus golpes que eu vou deixar de votar sim — disse Júlio Delgado ( PSB- MG), que, em 2015, foi derrotado por Cunha na eleição para presidente da Câmara. Apesar de atacado, em nenhum momento Cunha esboçou reação às críticas que sofreu.
Jean Wyllis protagonizou ainda uma das brigas no plenário. Ao bater boca com Jair Bolsonaro ( PSC- RJ), que em seu discurso elogiou o já falecido coronel do Exército Brilhante Ustra, que admitiu ter torturado durante a ditadura, o deputado do PSOL chegou a cuspir no colega, acertando apenas seu paletó. Mais tarde, nas redes sociais, alegou ter reagido a xingamentos de Bolsonaro.
Quando se analisa o resultado de ontem pelos partidos, fica claro que a debandada de partidos aliados, que seguiram o caminho do PMDB na semana passada, foi fundamental.
Juntos, PP e PSD deram 67 de seus 82 votos para o impeachment, uma derrota fragorosa das últimas articulações do governo antes da votação. Até mesmo o PR, cujo comando do partido havia fechado questão a favor do governo após acordo com Lula, deu maioria à oposição: 25 votos favoráveis ao impeachment, dez contra e três abstenções.
O PMDB, de Michel Temer e Eduardo Cunha, foi o que deu mais votos ao impeachment. Maior partido na Câmara, foram 59 votos seguindo a orientação do “não”, contra apenas sete em defesa de Dilma, entre eles o do líder Leonardo Picciani e dos ministros licenciados Marcelo Castro ( Saúde) e Celso Pansera ( Ciência e Tecnologia).
Além disso, Temer conseguiu mostrar força para evitar perdas em partidos que o apoiavam, como o PRB, cuja bancada de 22 deputados foi unânime pró- impeachment. Do outro lado, houve defecções no núcleo duro de aliados do governo, como na bancada do PDT, na qual quase um terço ( seis em 19 deputados) desrespeitaram a orientação da liderança e votaram pela aprovação do impeachment.
Sul e Sudeste consolidam vitória
Amazônia e Rondônia ( oito votos cada) foram as únicas bancadas a votar de forma unânime, ambas pelo impeachment. Mas foi em estados populosos do Sul e Sudeste, como São Paulo ( 57 votos a favor), Minas Gerais ( 41), Rio de Janeiro ( 34), Paraná ( 26) e Rio Grande do Sul ( 22) que a oposição consolidou a vitória.
O apoio de governadores aliados a Dilma, uma das esperanças do Planalto nos últimos dias, não conseguiu evitar a derrota por larga margem. Os estados mais populosos do Nordeste governados pelo PT foram, como esperado, os que mais deram votos ao governo: Bahia ( 22 “não” e duas abstenções) e Ceará ( 11 e uma abstenção). Já Pernambuco, terra do ex- presidente Lula, deu 18 de seus 25 votos contra a presidente Dilma. Proporcionalmente, o melhor resultado governista veio do Amapá, onde, dois oito deputados, cinco foram contra o impeachment e um se absteve.
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