- O Estado de S. Paulo
O Palácio do Planalto virou um palco de horror. Num governo em que nada mais deveria surpreender, há ainda surpresas para o espectador sensato.
A presidente Dilma foi abandonada pela sociedade. Após se eleger com um discurso completamente ficcional, sem nenhuma relação com a realidade, foi obrigada a desdizer-se, uma vez que o descalabro econômico e social se mostrou em sua nudez.
Prometeu uma coisa e fez outra, como se os cidadãos fossem um bando de idiotas, incapazes de discriminar a situação.
O discurso do marketing eleitoral foi substituído por discursos primando pelo caráter desconexo, em que o sujeito e o predicado se entrelaçam de forma aleatória e arbitrária. Se são desconexos, isso se deve à própria desconexão entre o apresentado e o real pelo petismo criado.
A presidente Dilma foi abandonada pelos partidos políticos. Sobraram-lhe só o PT e o PCdoB, além de uns poucos desgarrados em busca de cargos vagos. O mais surpreendente, mesmo para os elásticos padrões da política brasileira, é o fato de os partidos não quererem preencher esses cargos, seja por já darem como favas contadas que o barco naufragou, seja por não acreditarem no que o governo e o PT prometem. Quem já prometeu e não cumpriu não merece nenhum crédito.
O Palácio do Jaburu tornou-se o centro de romarias em Brasília, deputados e políticos afluindo de todos os lados. Continuando assim, não me surpreenderia se até o PT para lá se dirigisse! O diferencial consiste em que o vice-presidente acolhe gentilmente, amigavelmente, os parlamentares, dedicando-lhes tempo e apreço.
Muito provavelmente, a grande maioria desses deputados jamais visitou a presidente no Palácio da Alvorada, nem foi por ela acolhida. A humilhação foi a regra para muitos. Agora, vivem a diferença. A presidente Dilma colhe o fruto de sua arrogância e o PT paga o preço de suas tendências hegemônicas e autoritárias.
Nem o recurso ao ex-presidente Lula produz resultados. Ele ficou na paradoxal situação de articulador político sem poder assumir a Casa Civil. “Ministro” fingindo exercer uma função ministerial. Um vexame!
Muito provavelmente deverá prestar contas à Justiça em futuro imediato. Neste caso, nem ele sobreviverá ao fracasso do governo petista. Seu problema maior, hoje, é a própria sobrevivência. A política surge mesclada a questões criminais.
O que sobrou? O gueto do esquerdismo!
Na ausência de qualquer narrativa crível, a presidente Dilma, Lula e o PT optaram pela radicalização. O Palácio do Planalto, vazio de interlocutores confiáveis e reconhecidos, foi preenchido por grupos de militantes que mais parecem uma horda de bandoleiros.
Um lugar onde se devem respeitar as leis e as instituições é literalmente tomado de assalto por pessoas que prometem violar essas mesmas leis e instituições. A presidente, aliás, fez um juramento de respeito e obediência à Constituição!
Qual é, no entanto, a realidade? Ela aplaudiu os discursos
“revolucionários/criminosos”, além de abraçar seus proponentes. Deveriam ter sido expulsos do palácio, mas foram carinhosamente acolhidos. Foi literalmente um abraço de afogados. O pouco apoio que ela ainda usufruía nos meios empresariais foi pelos ares.
Não surpreende, por exemplo, que o Secovi-SP, a Fiesp e a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) tenham aderido corajosamente ao impeachment. O setor agropecuário, em particular, mais que qualquer outro, foi o que sempre viveu na carne, muitas vezes sozinho, a violência e o desrespeito ao direito de propriedade e à Constituição em geral levados a cabo por esses ditos “movimentos sociais”.
Conhecem muito bem as consequências práticas desse discurso!
Tal posição esquerdista expressa nada mais do que o bolivarianismo dessa ala do PT e de seus afilhados, financiados, aliás, com dinheiro público, dos contribuintes, como se estes devessem pagar pela violação da Constituição. Até a Unasul, confederação de Estados bolivarianos, que estão levando seus povos à ruína, chegou ao desplante de fazer uma condenação do impeachment da presidente Dilma. Os comparsas continuam irmanados.
O ápice dessa triste encenação consiste no discurso do “golpe”, forma de vitimização, voltada para estabelecer as bases eleitorais do PT na oposição. Trata-se de um discurso de adeus, de reconhecimento envergonhado da derrota iminente.
Todavia os últimos dias foram ainda pródigos em outra insensatez, a de um projeto – provavelmente abortado – de decretação do estado de defesa. Digo provavelmente porque em momentos de crise nunca se sabe o que pode resultar de uma medida desesperada.
Uma vez decretado o estado de defesa, após ouvidos o Conselho da República e o de Defesa Nacional (que não foram até hoje constituídos), a presidente seria dotada de poderes extraordinários, próprios de situação de guerra ou de enorme catástrofe natural. Prisões, violação de correspondência, cerceamento da liberdade de ir e vir, de manifestação ou de imprensa poderiam ser feitos por mera determinação presidencial.
O estado de defesa só poderia ser, portanto, decretado em situação extrema de perturbação da ordem pública. Acontece, porém, que o processo de impeachment vem sendo conduzido na mais perfeita ordem democrática, seguindo a Constituição e as recentes decisões do Supremo Tribunal Federal concernentes ao seu ritmo.
Logo, o governo petista estaria, na verdade, procurando perturbar a ordem pública, dizendo defendê-la. Uma ordem desse tipo muito provavelmente não seria obedecida pelas autoridades militares, dada a sua flagrante inconstitucionalidade.
O discurso dos esquerdistas/desesperados seria, no entanto, o de que a desobediência militar seria um “golpe”! Os autores do golpe o atribuiriam a outros.
A narrativa petista, então, seria salva e o País rumaria para o caos.
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*Denis Lerrer Rosenfield é professor de filosofia na UFRGS
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