• Medida permite repasse de recursos para o estado concluir a Linha 4 do metrô e pagar salários atrasados. Dornelles alega que situação financeira poderia comprometer Olimpíada e levar a colapso de serviços
Depois de o governo estadual decretar estado de calamidade pública, alegando que a crise financeira ameaça compromissos olímpicos e poderia levar ao colapso de serviços essenciais, a União vai liberar R$ 2,9 bilhões para o Rio. O dinheiro será usado para concluir a Linha 4 do metrô e pagar salários atrasados e horas extras de policiais. Para especialistas, a medida, pouco comum, é corajosa e necessária para que o estado, hoje inadimplente, possa equilibrar as finanças e pegar empréstimos com bancos federais, sem ferir a lei. O governador em exercício, Francisco Dornelles, disse que tomará “medidas duras”. Para a Firjan será necessário um amplo ajuste.
Estado de calamidade
• Governo baixa decreto para poder receber ajuda de R$ 2,9 bilhões da União
Carina Bacelar, Luiz Gustavo Schmitt, Martha Beck - O Globo
BRASÍLIA E RIO - A decisão do governador em exercício Francisco Dornelles de decretar estado de calamidade pública no âmbito da administração financeira faz parte de uma estratégia, combinada com o Palácio do Planalto, para que a União possa dar uma ajuda emergencial ao Rio. Segundo integrantes do governo federal, será feita nos próximos dias uma transferência extraordinária de R$ 2,9 bilhões ao estado. O dinheiro será usado para concluir a Linha 4 do metrô (Ipanema-Barra) e pagar horas extras de policiais e salários de servidores até os Jogos Olímpicos. Para viabilizar a operação, será enviado ao Congresso um projeto de lei com urgência ou vai ser editada uma medida provisória.
O pacote de ajuda ao Rio deve ser alinhavado numa reunião do presidente interino Michel Temer com governadores no Palácio do Planalto, segunda-feira. Antes do anúncio do decreto, vários formatos de apoio ao estado foram estudados, mas o único que poderia ser posto em prática com rapidez era a transferência extraordinária. Um empréstimo da União, por exemplo, precisaria de mudanças na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o que é mais complexo.
Segundo uma fonte do governo estadual, a operação de socorro foi montada durante a visita de Temer ao Rio, terça-feira. O caminho teria sido pavimentado numa reunião ontem à tarde entre o ministro das Relações Exteriores, José Serra, a presidente do BNDES, Maria Sílvia Bastos Marques, e o prefeito Eduardo Paes.
Governador fala em “medidas duras”
Dornelles afirmou que algumas medidas bastante duras e emergenciais serão tomadas para sanar os problemas financeiros do estado. No entanto, não adiantou quais:
— O decreto tem o objetivo de apresentar à sociedade as dificuldades financeiras do estado, abrindo caminho para medidas duras e chamando a atenção das autoridades federais. Nós apresentamos ao Temer as preocupações do Rio no campo da mobilidade urbana, da segurança, pedimos tropas federais para o estado e ajuda para a finalização do metrô.
O decreto repercutiu na imprensa internacional. O site do “New York Times” e a agência Reuters chamaram a atenção para a situação de calamidade às vésperas dos Jogos. Publicada no Diário Oficial, a medida diz que o estado pode entrar em colapso nas áreas de segurança, saúde, educação, mobilidade urbana e gestão ambiental. Segundo o texto, a grave crise tem impedido o cumprimento de compromissos para a Olimpíada do Rio.
Preocupado, o prefeito Eduardo Paes usou sua conta no Twitter para afirmar que a cidade vai manter os compromissos olímpicos. Segundo ele, todas as obras a cargo da prefeitura serão entregues no prazo. Paes reiterou ainda que o município vive em confortável situação fiscal e financeira.
Em tom semelhante, o Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos do Rio informou, no início da noite, que o decreto tem “impacto zero” sobre o evento, que começa em 5 de agosto. De acordo com a entidade, a situação financeira do estado já é conhecida há bastante tempo e vem sendo relatada oficialmente pelo próprio Executivo. Ainda segundo o comitê, todos os compromissos que o governo tinha foram cumpridos.
— É zero a chance dessa decisão impactar os Jogos Olímpicos. O próprio estado foi transparente ao fornecer as informações relacionadas às finanças. Reconhecemos o impacto que a perda de receitas com a queda do preço do barril de petróleo teve sobre o tesouro estadual — disse o diretor-executivo de Comunicação da Rio 2016, Mário Andrada.
Em nota, a Federação das Indústrias do Estado do Rio (Firjan) comentou o decreto: “A grave crise financeira que o estado atravessa hoje não é recente e nem exclusiva do Rio. O problema das contas públicas está relacionado ao elevado comprometimento dos orçamentos com gastos obrigatórios, o que em momentos de queda de receita se traduz em elevados déficits. É preciso um amplo programa de venda de ativos e uma reestruturação das contas públicas do estado, com base na revisão completa das prioridades orçamentárias”.
Segundo constitucionalistas e especialistas em direito administrativo consultados pelo GLOBO, o decreto abre caminho para que o Rio receba recursos federais mesmo estando inadimplente com a União e com organismos internacionais. Além disso, também permite que o estado faça operações de crédito sem ferir a LRF.
— Os compromissos financeiros que deveriam ser honrados estão oficialmente em moratória. Isso faz também com que determinadas contratações sejam realizadas sem licitação. O governo pode ainda tomar empréstimo com a União para conseguir receitas para os Jogos — disse Leonardo Vizeu, da Comissão de Direito Constitucional da OAB-RJ.
Aval para descumprir compromissos
Professor de direito público da UNB, Mamede Said afirmou que o decreto é uma espécie de aval para o que o Rio possa descumprir seus compromissos financeiros:
— Vários prazos e cumprimento de prazos da LRF ficam suspensos e dispensados. A obrigação de cumprir os limites mínimos em saúde e educação fica suspensa enquanto perdurar o estado de calamidade.
Manoel Peixinho, professor de direito administrativo da PUC-Rio, estranhou a medida. Segundo ele, esse tipo de ato normalmente é editado em caso de catástrofes e desastres naturais:
— Há um vício no decreto, pois ele não diz quais medidas o estado vai tomar. É muito estranha a edição desse decreto, porque não vivemos as hipóteses de um chamado estado de calamidade. Eu particularmente acho que não há base legal ou constitucional. O estado não tem competência para decretar estado de sítio. Resta essa opção, mas não é o meio jurídico adequado. Ele pode contratar serviços sem licitação, contrair empréstimos emergenciais.
Em nota, Carlos Ivan Simonsen Leal, presidente da Fundação Getulio Vargas, disse que a decretação de “estado de calamidade pública no âmbito da administração financeira” é uma medida “exemplar e corajosa, que permite trazer à tona a dificílima realidade fiscal” do Rio. “A decisão abre espaço para a implementação, com total transparência, de medidas absolutamente necessárias e inadiáveis para a recuperação do estado”, escreveu.
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