• Governo pode arrecadar pelo menos R$ 15 bi com securitização, diz Fator
- Valor Econômico
O governo pode arrecadar até R$ 15 bilhões com a securitização de dívidas tributárias já parceladas pelos programas de refinanciamento (Refis). A estimativa é do economista Valdery Albuquerque, diretor da área de investimentos do banco Fator.
O valor é modesto se comparado ao tamanho do déficit primário do governo federal previsto para este ano - R$ 170,5 bilhões. Mas é significativo justamente por essa razão: em meio à atual recessão, que já dura dois anos, o governo está tendo enorme dificuldade de levantar recursos para minorar a tragédia fiscal.
A securitização é uma das alternativas, ao lado de medidas como privatizações e concessões, viáveis neste momento para ajudar o esforço fiscal. Aumentar simplesmente impostos derrubaria ainda mais a atividade econômica, tendo efeito negativo sobre a arrecadação de tributos. Criar novos impostos esbarra na resistência do Congresso, refratário, desde 2007, quando rejeitou a prorrogação da cobrança da CPMF, a esse tipo de medida. Cortar despesas tem como obstáculo a rigidez cada vez maior do gasto público no país.
A dívida ativa da União está em torno de R$ 1,5 trilhão, o equivalente a cerca de 60% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Ninguém, em sã consciência, deve acreditar que seja possível recuperar uma parte representativa desse montante. Esse valor é incobrável, portanto, jamais retornará aos cofres públicos. Muitos devedores são empresas que não existem mais.
Os débitos, acumulados ao longo de décadas, refletem não somente uma cultura de inadimplência existente no país desde sempre, mas também a complexidade de um sistema tributário caótico. Trabalhar com a ideia de que a cobrança da dívida ativa resolveria os desequilíbrios das contas públicas, em especial os da previdência social, é irrealista, para dizer o mínimo.
Valdery, do banco Fator, é um profundo conhecedor do assunto. Originário do setor público, onde atuou como coordenador da dívida pública do Tesouro Nacional e foi dirigente da Caixa Econômica Federal, ele participou das discussões que resultaram, na gestão de José Serra como governador de São Paulo, na criação do programa de securitização do governo estadual e da Companhia Paulista de Securitização (CPSEC), agente dessa ini ciativa.
Inspirado por essa experiência, Serra, eleito senador pelo PSDB em 2014, apresentou projeto de lei que cria uma espécie de marco legal para que tanto a União quanto os Estados e municípios possam adotar programas de securitização de dívidas tributárias. No projeto, já pensando no problema fiscal dos Estados, o então senador destina 70% das receitas de securitização para cobrir o déficit da previdência e o restante, para investimentos.
O governo de São Paulo começou a tratar do tema em 2007, mas a primeira operação só foi lançada em 2011. A segunda ocorreu no ano passado e as duas foram lideradas pelo Fator, que, na primeira licitação, coordenou o consórcio que teve também a participação dos bancos Itaú e ABC Brasil e, na segunda, realizada em 2014, liderou grupo com o ABC, a Caixa Geral e o Santander.
Valdery explica que só se pode securitizar dívida tributária já parcelada em programas como o Refis. "Trata-se de um ativo que já é de direito do ente público. Já houve lá atrás um fato gerador [do tributo não pago]", explica. Ele lembra que, na dívida ativa da União, há boas empresas, mas há também muitas que já desapareceram.
Na lista dos maiores devedores da União estão empresas sólidas, como Petrobras (R$ 15,6 bilhões inscritos na dívida ativa, em dados de outubro de 2015), Vale (R$ 8,2 bilhões), Braskem (R$ 1,8 bilhão), Companhia Brasileira de Distribuição (R$ 1,3 bilhão) e banco Itaucard (R$ 1,3 bilhão). Estas empresas, ao lado de outras 25 no ranking das maiores devedoras, parcelaram os débitos no Refis, num volume estimado em R$ 38 bilhões, sendo que apenas duas (Petrobras e Vale) respondem por 60,5% do total.
Esse grupo de 30 companhias tem bom risco de crédito. A securitização de suas dívidas tributárias pode ter grande atratividade no mercado. A securitização seria feita para que o governo, que enfrenta grave problema fiscal, pudesse antecipar o recebimento agora de uma parte desses recursos. A antecipação, que é a lógica de qualquer processo de securitização, é realizada com uma taxa de desconto, inclusive porque o risco do crédito passa a ser do investidor que adquirir o papel resultante da operação.
Estima-se que, geralmente, a inadimplência das empresas em programas como o Refis seja de 40% a 50%. Nos últimos dois anos, aumentou ainda mais por causa da forte recessão.
Os números de um possível programa federal de securitização seriam os seguintes, segundo o diretor do Fator: o estoque da dívida ativa da União está em torno de R$ 1,5 trilhão, formado pelo principal, multas e juros; do total, R$ 90 bilhões foram parcelados; a parte da União é estimada em R$ 60 bilhões - os R$ 30 bilhões restantes são a fatia de Estados e municípios em tributos como IPI e Imposto de Renda -; do universo de dívidas parceladas, há cerca de R$ 30 bilhões, como foi mencionado, devidos por empresas com boa classificação de risco.
Como funcionaria a securitização, segundo a sugestão do banco Fator? A União, credora das empresas que lhe devem por meio de débitos inscritos na dívida ativa, criaria uma companhia securitizadora e cederia a essa empresa cerca de R$ 60 bilhões da dívida tributária parcelada. Com lastro nesses recursos, a securitizadora emitiria duas séries de debêntures. Na primeira, "sênior", seriam levantados R$ 15 bilhões, com lastro no conjunto de dívidas das empresas com boa classificação de risco.
Na segunda série, a securitizadora emitiria debêntures subordinadas, num volume de até R$ 45 bilhões, a serem subscritas pela União para recebimento do fluxo excedente, isto é, do fluxo de securitização das empresas de rating mais baixo. Valdery acredita que o governo possa, por exemplo, utilizar as debêntures subordinadas como garantia de parcerias público-privadas (PPPs).
É importante observar que a securitização não muda em nada o risco para a União nem a necessidade de aumento da eficácia de cobrança dos devedores. O processo, porém, anteciparia recursos ao Tesouro no momento de maior gravidade das contas públicas em quase quatro décadas.
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