• Em fala emotiva, de 45 minutos, presidente afastada insiste no discurso de ‘golpe’ ao se referir ao impeachment
Cristiane Jungblut e Eduardo Bresciani - O Globo
-BRASÍLIA- Em um discurso emotivo, firme, político e recorrendo à tese do “golpe” para se referir ao processo de impeachment, a presidente afastada, Dilma Rousseff, se apresentou aos senadores em seu julgamento final dizendo ter a democracia como sua companheira no banco dos réus. Ela falou por 45 minutos e foi aplaudida por seus apoiadores ao final, que puxaram coro de “Dilma guerreira, do povo brasileiro”.
— Estamos a um passo da consumação de uma grave ruptura institucional. Estamos a um passo da concretização de um verdadeiro golpe de Estado — disse.
Dilma iniciou o discurso reconhecendo brevemente ter cometido erros, sem identificá-los, mas dizendo que não tem entre seus defeitos “deslealdade” e “covardia”.
— Não traio os compromissos que assumo, os princípios que defendo ou os que lutam ao meu lado — afirmou.
Lembrou seu passado de luta contra a ditadura militar e da cena de seu julgamento na época em que aparece de cabeça erguida diante de seus julgadores, dizendo que repete a cena agora. Afirmou sentir novamente “o gosto amargo da injustiça e do arbítrio”. A presidente afastada justificou a luta pelo mandato como uma defesa da democracia, que disse ser uma companheira sua no banco dos réus. Dilma citou tentativas de golpe contra os ex-presidentes Getúlio Vargas, Juscelino Kubitscheck e João Goulart, comparando-as ao momento atual. Mas não citou o impeachment de Fernando Collor, que estava a poucos metros do local onde discursava.
— Hoje, mais uma vez, ao serem contrariados e feridos nas urnas os interesses de setores da elite econômica e política, nos vemos diante do risco de uma ruptura democrática — afirmou.
Com a voz levemente embargada, lembrou que esteve diante da morte duas vezes, quando foi torturada por vários dias e quando enfrentou um tratamento de câncer.
— Hoje eu só temo a morte da democracia, pela qual muitos de nós, aqui neste plenário, lutamos com o melhor dos nossos esforços — afirmou, no momento de maior emoção.
Dilma disse que não terá “rancor” dos que votarem contra ela, mas afirmou que seu afastamento criará um precedente de condenação sem provas.
— Lembrem-se do terrível precedente que a decisão pode abrir para outros presidentes, governadores e prefeitos. Condenar sem provas substantivas. Condenar um inocente. Faço um apelo final a todos os senadores: não aceitem um golpe que, em vez de solucionar, agravará a crise brasileira — afirmou.
Dilma afirmou que as acusações de crime de responsabilidade são “pretextos”. Ela sustentou a legalidade dos decretos de crédito suplementar, dizendo não ter desrespeitado o Congresso. No caso das pedaladas, ressaltou que no âmbito criminal a investigação foi arquivada pelo Ministério Público Federal.
— Agora, a ruptura democrática se dá por meio da violência moral e de pretextos constitucionais, para que se empreste aparência de legitimidade ao governo que assume sem o amparo das urnas. Invoca-se a Constituição, para que o mundo das aparências encubra hipocritamente o mundo dos fatos. As provas produzidas deixam claro e inconteste que as acusações contra mim dirigidas são meros pretextos, embasados por uma frágil retórica jurídica — disse.
Ela destacou o papel do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) de ter dado início ao processo e protestou também por medidas econômicas de seu segundo governo não terem sido votadas enquanto “pautas bomba” avançaram no Congresso. A presidente disse ainda que seu governo foi desestabilizado por essa postura dos parlamentares e reclamou do fato de senadores já terem declarado voto contra ela.
— Não há respeito ao devido processo legal quando julgadores afirmam que a condenação não passa de uma questão de tempo, porque votarão contra mim de qualquer jeito. Nesse caso, o direito de defesa será exercido apenas formalmente, mas não será apreciado substantivamente nos seus argumentos e nas suas provas. A forma existirá apenas para dar aparência de legitimidade ao que é ilegítimo na essência — afirmou.
Última cartada na negociação em busca de votos no Senado, a proposta de um plebiscito para novas eleições foi feita de forma curta:
— Chego à última etapa deste processo comprometida com a realização de uma demanda da maioria dos brasileiros: convocá-los a decidir, nas urnas, sobre o futuro de nosso país. Diálogo, participação e voto direto e livre são as melhores armas que temos para a preservação da democracia.
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