terça-feira, 30 de agosto de 2016

Ato final - Eliane Cantanhêde

- O Estado de S. Paulo

Se houve uma surpresa ontem no Senado, foi justamente a falta de surpresas. Dilma Rousseff repetiu tudo que vem dizendo nesses nove meses, sobretudo na “mensagem aos Senado e ao povo brasileiro”. E os senadores, a favor ou contra o impeachment, também ficaram no mais do mesmo. Logo, sem nenhuma novidade, tudo fica onde estava.

O único fato realmente surpreendente desde as 9h da manhã foi que Dilma não partiu para o confronto e os senhores senadores e senhoras senadoras foram duros, mas elegantes, pelo menos até o fechamento desta edição. Ou seja, a sessão histórica foi marcada por um legítimo embate político, mas com civilidade.


O dia amanheceu com mais uma pancada no ex-presidente Lula, responsável por Dilma dar um passo maior do que a perna e virar presidente da República. Indiciado pela Polícia Federal na sexta-feira pelo triplex dos outros, Lula ontem viu a Receita Federal aplicar pesadas multas e cortar subsídios do instituto que leva o seu nome, sob acusação de que o dinheiro das empreiteiras da Lava Jato entrava por uma porta e saía por outra, por exemplo, para empresa de um de seus filhos.

Apesar do constrangimento, lá estava Lula nas galerias do Senado para prestigiar Dilma, e carregando um adereço espetacular: Chico Buarque, ídolo de gerações. Chico perde muito com essa exposição, mas Dilma, Lula e o PT lucram muito. Virtualmente derrotados no Senado, eles jogam para a opinião pública e constroem uma narrativa para a história.

Mais uma vez, o grande ausente foi “o povo”, ou seja, os movimentos pró e contra Dilma e sua excelência, o eleitor. A cerca de um quilômetro instalada nos gramados de Oscar Niemeyer, para isolar as duas grandes torcidas, revelou-se um cuidado desnecessário.

Ao discursar, com claque no plenário, Dilma repetiu tudo o que sempre diz e acaba de escrever na “mensagem”: a tortura, o câncer, é honesta e vítima de uma injustiça. Logo, alvo de um golpe contra a democracia, de uma ruptura constitucional, mas resiste, como sempre resistiu. “Entre meus defeitos não estão a deslealdade e a covardia.”

Citando Getúlio, Jango e JK, mas esquecendo seu privilegiado interlocutor Fernando Collor, ela disse que, como eles, é alvo de uma elite que teve seus interesses contrariados. Os crimes de responsabilidade, disse, são “meros pretextos”. O resto é golpe, golpe, golpe.

Seu alvo frontal foi Eduardo Cunha, o ex-presidente da Câmara, inimigo número um da opinião pública. Mas é claro que sobrou para Michel Temer e seu “governo usurpador”. Ficou faltando alguma coisa? Sim, faltaram duas coisas bastante importantes.

Uma delas foi a tese de convocação de um plebiscito para antecipar as eleições de 2018, abatida já na decolagem pelo próprio PT. A outra foi qualquer traço de autocrítica, afora o fato de ter repetido, literalmente, o que já tinha escrito na “mensagem”: que teve muito contato com “o povo” nesses meses, foi recebida com reconhecimento e carinho e ouviu “algumas críticas” pelos seus erros. Convenhamos, é pouco.

Dilma Rousseff foi a primeira mulher eleita presidente, chegou a bater recordes de popularidade e foi reeleita com 54 milhões de votos, como não cansa de repetir. Logo, precisou errar muito, mas muito mesmo, para estar à beira de um impeachment constitucional defendido pela maioria da sociedade, votado na Câmara e Senado e referendado pelo Supremo. Mas Dilma teve praticamente dois anos desde a reeleição para admitir um, unzinho erro que fosse, e não foi capaz.

Diante das perguntas dos senadores, ela traçou um perfil assustador do governo Temer. Em nota, ele rebateu as “inverdades” atribuídas “de forma irresponsável e leviana”: não vai estipular de 70 a 75 anos para a idade mínima de aposentadoria, a extinção do auxílio-doença, a regulamentação do trabalho escravo, a privatização do pré-sal, a revogação da CLT. Anotem aí, porque em algumas horas Dilma vai sair de cena e o foco estará em Temer.

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