terça-feira, 23 de agosto de 2016

Rio venceu o desafio de realizar uma boa Olimpíada – Editorial / Valor Econômico

Apesar das adversidades e do ceticismo generalizado, o Rio de Janeiro fez da Olimpíada de 2016 uma bela festa. Sem tradição de planejamento de longo prazo e com a proverbial ineficiência da máquina pública, as obras só engrenaram em cima da hora, deixando de novo a desagradável impressão de que apenas um triz separa o desastre do sucesso. Na competição, o Brasil teve seu melhor desempenho olímpico, com 19 medalhas, um pouco melhor que no passado, mas ainda aquém do potencial devido a uma política deficiente, que privilegia atletas que já demonstraram grande potencial. O prefeito do Rio, Eduardo Paes, saiu-se bem do pesadelo logístico que teve de encarar.

A escolha do Rio como sede dos jogos foi feita em 2009, em uma cartada de prestígio do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que também conseguira trazer para o Brasil a Copa do Mundo. Influência política global e projeção da imagem do país estiveram à frente de quaisquer outros cálculos, como o dos enormes custos de infraestrutura e organização.


De 2009 até o início dos jogos olímpicos, tudo mudou. O Brasil entrou em profunda recessão, escândalos bilionários de corrupção vieram à tona, a presidente Dilma Rousseff foi afastada e uma epidemia de zika e chikungunya se fez presente, para armar uma tempestade quase perfeita sobre a Olimpíada.

Os derradeiros meses antes da competição não dissiparam a sensação de iminente fiasco. O Estado do Rio entrou em estado de calamidade pública, sem dinheiro para fazer funcionar hospitais e pagar funcionários. A infraestrutura foi assegurada com um aporte de R$ 2,9 bilhões do governo federal. As desconfianças sobre a viabilidade - e, mais ainda, sobre a utilidade e necessidade de jogos olímpicos em terras brasileiras - cresceram diante de uma população que assistia à derrocada de serviços públicos essenciais, enquanto bilhões de reais eram gastos em arenas esportivas.

Uma vez escolhida a cidade do Rio de Janeiro como sede, não havia outra opção senão fazer o melhor trabalho possível. Isso o Rio fez. É quase certo que não escapará dos prejuízos que perseguem as megacompetições. Elas exigem altos gastos - no Brasil devem ter consumido perto de R$ 40 bilhões - que não darão retorno, a julgar pelos resultados das demais cidades que hospedaram jogos olímpicos.

Os organizadores da Olimpíada no Brasil tampouco se propuseram a resolver - e nem poderiam - os sérios problemas de transporte público do Rio, que infernizam também outras capitais brasileiras. Metrô e VLT chegaram à Barra da Tijuca, obra necessária, mas a prioridade para o cidadão carioca deveria ser a ligação do centro à zona norte da cidade. De qualquer forma, o Rio aproveitou a Olimpíada para esticar significativamente sua rede de transporte e esse é um legado importante.

O forte esquema de segurança, auxiliado pela tradição hospitaleira do país, desencorajaram e impediram que ameaças terroristas se tornassem realidade. A violência doméstica, tão temida pelos turistas estrangeiros, praticamente passou ao largo da Olimpíada. O sistema de transporte e suas interligações funcionaram bem sob pressão de prolongada e extraordinária demanda. Houve falhas que não comprometeram o esforço realizado.

O esforço foi recompensado. O Ibope indicou que 42% dos entrevistados consideraram o evento como ótimo ou bom, e 24% como péssimo ou ruim. Entre os sentimentos negativos, como na Copa do Mundo, predominou a sensação de desperdício (O Estado de S. Paulo, 21 de agosto). Em outra pesquisa, do Ministério do Turismo, 84,7% dos turistas internacionais avaliaram bem a organização geral dos jogos e 98,6% mencionaram como positiva a hospitalidade do povo.

A performance olímpica melhorou, mas deficiências estruturais cobram seu preço. Faltam planejamento de longo prazo e investimentos na base. Só 35% das escolas têm quadras de esporte, nem sempre em bom estado (Aloisio Araujo, Valor, 19 de agosto). Ao contrário da infraestrutura física, que pode ser acelerada e fortalecida na última hora, a formação de bons atletas depende de uma rotina de planejamento, da disseminação e continuidade do abastecimento de recursos, da focalização dos esforços, da seleção e avaliação constante dos resultados. É o que falta ao país, na gestão pública e nos negócios privados.

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