• Empresariado quer manter mecanismos de defesa comercial
- Valor Econômico
O presidente interino Michel Temer planeja estrear no palco internacional já nos próximos dias como o novo chefe de Estado e governo do Brasil, tão logo seja sacramentado o impeachment de Dilma Rousseff. Ele se prepara para apresentar a líderes e investidores estrangeiros um Brasil ávido por parcerias e negócios, mas, uma vez à frente da Presidência da República de forma definitiva, também passará a encarar de frente os desafios que se colocam ao país nessa área. Um deles é a proximidade da data em que a China, justamente o primeiro destino de Temer, pode passar a ser reconhecida como uma economia de mercado.
A postura do seu governo a respeito desse assunto deve ser um dos fatores a ditar o nível de respaldo político que Temer receberá de grande parte do setor industrial daqui em diante. Também não devem passar despercebidas pelo empresariado as opiniões de outros potenciais candidatos a presidente. Os ministros da Fazenda, Henrique Meirelles, e das Relações Exteriores, José Serra, por exemplo, têm papel fundamental na formulação do posicionamento brasileiro nessa questão.
O processo de adesão da China à Organização Mundial do Comércio (OMC) começou em 2001, quando ficou acertado que até meados de dezembro de 2016 os demais membros da organização poderiam usar preços de terceiros mercados como referência para tentar medir se o comércio exterior chinês é praticado dentro das regras da entidade. Assim, medidas de defesa comercial contra produtos chineses ocorreram de forma mais intensa nesse período, o que Pequim espera reverter já a partir do ano que vem.
Numa jogada política com a finalidade de obter o apoio aos pleitos do Brasil em outros organismos multilaterais, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a declarar que o Brasil reconhecia a China como economia de mercado. No entanto, desde então essa decisão não foi aplicada na prática e os processos antidumping contra produtos chineses continuaram a seguir os mesmos procedimentos adotados anteriormente.
Temer deve ter dificuldades para esquivar-se desse debate por muito tempo. Não só porque há uma expectativa de Pequim de que seja mantida a palavra de Lula, mas porque o presidente interino decidiu, ao reestruturar o governo, retirar do Ministério do Desenvolvimento hoje ocupado pelo PRB e avocar para a Presidência o comando da Câmara de Comércio Exterior (Camex).
Internamente, Temer também enfrenta pressões para que não escancare o mercado brasileiro para os produtos chineses. Empresários já mobilizaram seus interlocutores no Parlamento para acompanhar o assunto e pressionar o Executivo, num esforço anterior ao início do governo interino.
Em dezembro do ano passado, por exemplo, enquanto segmentos relevantes da iniciativa privada já tinham abandonado o governo Dilma, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e 41 associações setoriais enviaram aos ministérios da Fazenda, Desenvolvimento e Relações Exteriores uma carta afirmando que o reconhecimento da China como economia de mercado impediria o uso de medidas antidumping contra produtos importados a preços artificialmente baixos devido ao controle do governo chinês sobre a economia. A Câmara dos Deputados acabara de iniciar o processo de impeachment da petista.
Desde então, o governo vem trabalhando em silêncio. Além de manter contato com autoridades de outros países e reunir-se com representantes dos diversos setores econômicos interessados no assunto, desenha cenários para entender a realidade que enfrentará. Em outra frente, mantém discretas conversas com o setor produtivo para demonstrar que não ignora a delicada situação que se apresentará, uma vez que a China promete ser dura ao cobrar que seus parceiros a tratem como uma economia de mercado.
Mesmo assim, como a princípio a OMC não deve se posicionar sobre o assunto e cada país dirá sua interpretação do acordo firmado há quinze anos, a estratégia brasileira deve ser esperar que a China inicie um processo de solução de controvérsias contra outro país para ver então qual é a visão da instituição sobre o tema.
A intenção de Temer é desembarcar em Xangai, no próximo dia 2, para participar de um evento empresarial. Se não chegar a tempo, irá diretamente para a cúpula do G-20, que será realizada nos dias 4 e 5 em Hangzhou.
Há cerca de dez dias, o presidente interino recebeu o embaixador da China, Li Jinzhang, quando ambos trataram das relações entre os dois países e da possibilidade de Temer ter reuniões bilaterais com autoridades chinesas à margem do G-20.
O pemedebista é um político habilidoso, e não é a primeira vez que vai à China em missão oficial. Ele já chefiou uma grande delegação brasileira ao país asiático quando era vice-presidente. Agora, porém, sua presença terá outro peso e virá acompanhada de um cardápio de empreendimentos que deverão ser concedidos à iniciativa privada, uma lista de empresas a serem privatizadas e a notícia de que sua administração é aberta à flexibilização da legislação que limita a venda de terras a estrangeiros.
São notícias que devem agradar aos chineses, mas o governo brasileiro não deve acreditar que de pronto conseguirá atrair investimentos para reaquecer a economia e com isso abrir um melhor caminho para o seu campo político em 2018. Afinal, apesar da expectativa no Executivo de que os chineses não deverão fazer cobranças explícitas sobre a posição do Brasil a respeito do tratamento a ser dado ao país asiático na OMC, os interlocutores de Temer esperam algumas sinalizações.
Lula deu um passo em falso esperando o apoio explícito da China ao pleito brasileiro por uma vaga permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, o que acabou não se tornando uma realidade. Temer, pelo menos por ora, tem uma postura distinta. Mas sabe também que deve agir com cautela e evitar que um parceiro comercial estratégico do Brasil se sinta hostilizado pelo governo que se inicia.
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