É extremamente positivo constatar que o apoio do juiz Sergio Moro ao pacote de medidas anticorrupção formulado pelo Ministério Público Federal (MPF) – e atualmente em discussão na Câmara dos Deputados – não o impede de reconhecer a conveniência de o Congresso, após discussão do assunto, concluir pela não aprovação de algumas das propostas. Em audiência pública realizada na segunda-feira passada em Curitiba, Moro mencionou especificamente essa possibilidade em relação à proposta do MPF de utilizar no processo provas ilícitas obtidas com boa-fé. “Se o problema é esse, então tira essa parte”, disse o juiz.
O pacote anticorrupção é uma boa iniciativa do MPF, mas nem tudo o que lá está é positivo. Como lembrou Sergio Moro, não se pode apresentar o pacote de medidas “como os dez mandamentos. Foi feito um projeto e ele foi colocado no espaço próprio para esse debate: o Parlamento”. Além da proposta de validação de provas ilícitas, que é um evidente abuso processual, também não merece aprovação pelo Congresso o chamado teste de integridade para servidor público, com a “simulação de situações, sem o conhecimento do agente público ou empregado, com o objetivo de testar sua conduta moral e predisposição para cometer crimes contra a Administração Pública”. Além de invasiva, a medida inverte o papel do Estado, colocando-o como corruptor. Não parece ser esse um caminho adequado para combater a corrupção.
Semelhante equilíbrio ao que se observa na posição do juiz Sergio Moro sobre o pacote de medidas anticorrupção pode e deve ser aplicado à Lava Jato. A operação é bem-vinda e necessária, mas o seu bom encaminhamento exige sabedoria para distinguir com isenção suas qualidades e suas deficiências, seus acertos e seus riscos. Isso não significa constranger a ação da força-tarefa e muito menos restringir o alcance das investigações e dos julgamentos. Importa apenas não cair na esparrela de considerar crime toda e qualquer doação a partidos ou políticos – o que significaria a proscrição da atividade político-partidária e a consequente castração da democracia, tão grave quanto a provocada pela corrupção que se apura.
Acertadamente, o Supremo Tribunal Federal (STF) já reconheceu a inconstitucionalidade das doações eleitorais feitas por pessoas jurídicas. No entanto, entre 1993, ano em que as doações foram liberadas, e 2015, quando o STF as proibiu, elas eram legalmente permitidas, por mais equivocada que fosse – como de fato era – aquela prática. Dessa forma, não deve, nem pode, a Lava Jato tratar todas as doações eleitorais feitas por pessoas jurídicas como se fossem ilegais.
Há as doações flagrantemente ilícitas, como as reveladas pelo escândalo do petrolão, que devem ser exemplarmente punidas. Há as doações que se configuram como caixa 2 dos partidos ou candidatos e, por serem crimes eleitorais, devem ser julgadas e punidas pela Justiça Eleitoral. E há ainda as doações legais, que não foram fruto de coação por parte de quem estava no poder nem eram contrapartida de favores ilícitos prestados aos doadores, além de regularmente registradas pelos partidos políticos.
Diferenciar as várias modalidades de doação não é apenas uma questão de justiça com os partidos e os políticos que receberam legalmente doações de empresas no período em que tal prática era permitida pelo ordenamento jurídico. É resguardar as próprias instituições políticas.
Vale lembrar que, nos anos em que a prática foi permitida, todo o sistema político dependeu das doações empresariais. Assim, uma incriminação generalizada dessas doações teria o perverso efeito de extirpar todos os envolvidos no processo político, levando, por consequência, a uma espécie de implosão das próprias instituições.
A força e a autoridade da Lava Jato residem no seu papel de saneamento e recuperação da política nacional. A operação não existe para dizimar a vida político-partidária do País, como se o seu resultado final tivesse de ser um cenário de absoluta devastação das pessoas e das instituições. Ter clara essa distinção de objetivos é grave responsabilidade de todos os envolvidos na operação.
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