quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Lamentável discórdia – Editorial / Folha de S. Paulo

A rejeição, pelos colombianos, do tratado de paz firmado na semana passada entre o governo do presidente Juan Manuel Santos e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) deixa o país numa situação bastante delicada.

Renovadas doses de criatividade e negociação diplomática serão necessárias para que não caia por terra todo o processo de desmobilização da guerrilha, que vinha sendo discutido havia quatro anos.

A derrota do "sim" na consulta de domingo (2) representou grande surpresa, visto que pesquisas de opinião indicavam vitória da posição governista. Prevaleceu o "não", contudo, ainda que por diferença mínima: 50,2% a 49,8% dos votos válidos, ou 54 mil sufrágios num universo de 35 milhões de eleitores habilitados.

Verdade que só 13,1 milhões compareceram, ou 37,4% do total. Calcula-se, em função disso, o quanto aspectos climáticos influenciaram a disputa —a passagem de um furacão na costa do Caribe afugentou a população nessa região, em que o "sim" tinha ampla vantagem.

O fato inegável, todavia, é que a Colômbia recusou o acordo de paz, ao menos nos termos propostos. Embora nenhum dos lados demonstre disposição para abandonar o cessar-fogo e reavivar um conflito que já dura 52 anos e produziu mais de 200 mil mortos, agora não existe no horizonte um roteiro político para superá-lo.

Urge providenciar um plano alternativo, ou as hostes de guerrilheiros que aceitavam reintegrar-se à sociedade tenderão a migrar de forma definitiva para o banditismo e o narcotráfico.

Ao que tudo indica, o governo Santos exagerou nas concessões. Os pontos mais criticados foram o alcance da anistia, que na prática isentaria a maioria dos guerrilheiros, e a garantia de assento no Congresso, por duas legislaturas, para o partido político que sucederia as Farc.

O ex-presidente Álvaro Uribe, que comandou a campanha pelo "não", terá papel de destaque a partir de agora. Como noticiou esta Folha, ele já discutiu com seus aliados os pontos que considera essenciais na renegociação.

Entre eles estão a exigência de prisão, em vez da "liberdade restringida" prevista no pacto derrotado, e a inelegibilidade daqueles que tenham cometido crimes graves durante os confrontos.

Não será trivial reiniciar as conversas em termos mais duros. Os primeiros sinais, felizmente, suscitam algum alento. Tanto o governo Santos como o comando das Farc mostraram-se empenhados em encontrar uma solução.

Espera-se que Uribe, bem mais popular que o atual presidente, não se revele intransigente nas novas tratativas. Dele depende o avanço das conversas no sentido da paz —ou o retorno da Colômbia ao vórtice da violência.

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