- Valor Econômico
• Os "donos do orçamento", segundo Velloso
Está na previdência do funcionalismo público o mais grave problema fiscal hoje, embora o foco do governo Temer na proposta de reforma seja mais aparente na aposentadoria dos trabalhadores do setor privado.
A começar da dificuldade em obter os números - o governo federal, por exemplo, só divulga os dados da previdência do INSS e subtrai as informações sobre a do servidor. O que se sabe é que o déficit do regime próprio de previdência dos 4,2 milhões de inativos e pensionistas do setor público federal, estadual e municipal é gigantesco.
Segundo dados apresentados em palestra recente pela secretaria do Tesouro Nacional, Ana Paula Vescovi, ele foi de 3,8% do PIB em 2013, algo como R$ 237 bilhões se considerado o PIB estimado para este ano, de R$ 6,254 trilhões. Ela disse, também, que o déficit atuarial dos Estados equivale, atualmente, a R$ 2,4 trilhões.
Trata-se de uma cifra substancialmente maior do que "rombo" de R$ 85,8 bilhões produzido pelos 28,3 milhões de aposentados do setor privado no ano passado e pelos R$ 148,78 bilhões estimados para 2016. Os funcionários públicos recebem, em média, aposentadoria mensal de R$ 5.108. Para os trabalhadores do setor privado, esse valor é de R$ 1.356.
Segundo o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, essa despesa está na raiz da crise financeira dos Estados e precisa ser enfrentada agora, no âmbito da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da previdência social. Renegociar a dívida dos Estados alivia o caixa por um par de anos, mas não resolve a crise que, entra ano e sai ano, os governadores enfrentam, que é estrutural, diz ele. Ana Paula tem o mesmo diagnóstico: "Renegociação, perdão de dívida ou outro tipo de ajuda financeira eventual não solucionará o problema dos Estados", disse ela.
Velloso está assessorando o grupo de dez governadores do Sul e Sudeste que esteve na semana passada com o presidente Michel Temer. O economista sugeriu que os governos estaduais peguem "carona" na reforma que o governo federal está prometendo enviar ao Congresso Nacional.
Muito provavelmente a PEC da Previdência só será encaminhada em novembro. Depois que Temer receber a proposta, quando voltar da viagem à Índia e ao Japão no dia 21, ele pretende conversar com os líderes da base aliada, empresários, centrais sindicais e com os governadores, antes de mandar a proposta de emenda ao Congresso.
A sugestão que o presidente recebeu dos governadores, porém, independe da PEC. É de elevação das contribuições dos ativos e inativos do setor público dos três níveis de governo para pelo menos 14%, o que poderia ser feito por projeto de lei.
Velloso diz que o aumento das contribuições é necessário, mas insuficiente. Ele sugere, também, a criação de um fundo para suportar a despesa da previdência com ativos e recebíveis dos Estados, que seriam antecipados pela União.
Envolvido nesse trabalho desde o ano passado, o economista conta que mergulhou nas "entranhas" das contas dos governos estaduais para entendê-las. Concentrou-se nos orçamentos dos três Estados em maiores dificuldades - Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul - e deles tirou uma média.
As suas constatações confirmam velhas suspeitas. Primeiro, o orçamento é majoritariamente tomado pelas corporações. É o que Velloso chama de "os donos do orçamento". São eles: os poderes autônomos - Legislativo, Judiciário, Tribunal de Contas, Ministério Público e Defensoria Pública; a área da saúde; educação; uma porção de vinculações de menor expressão; e o serviço da dívida.
Por terem autonomia financeira e administrativa garantida pela Constituição, os poderes autônomos, embora dependam dos recursos do Tesouro Nacional, se comportam como se tivessem "indulgência divina para gastar", diz. O mesmo ocorre nas áreas de saúde e educação, "que são feudos".
Esses cinco "donos" do orçamento, segundo Velloso, ficam com 60% da receita corrente líquida dos Estados. Os governadores, portanto, têm 40% da receita para atender a todo o restante do governo.
Ele identificou, também, uma distorção inimaginável: o Legislativo, Judiciário, os tribunais de contas, ministério público e as áreas da saúde e educação não pagam, como empregadores, as previdências dos seus respectivos funcionários. Eles contratam funcionários e empurram essa conta para os tesouros dos Estados.
Outro fato: os Estados não contabilizam os gastos previdenciários nas folhas de salários. Ao praticar essa "contabilidade criativa", com a anuência dos tribunais de contas, eles fizeram da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) letra morta. Parece que estão cumprindo os limites com a despesa de pessoal estabelecidos pela lei, de 49% da receita corrente líquida, mas não estão.
Dos 40% da receita líquida que sobram para o governador alocar, 32% são destinados para as demais secretarias de Estado. Restam, assim, 8% para pagar as aposentadorias dos servidores e o que mais houver. No fim das contas, em 2015, por exemplo, o que restou foi um "buraco" correspondente a 17% da receita corrente líquida. Investimentos, a essa altura, só são realizados com a contratação cada vez mais rara de empréstimos.
Na União, a situação é semelhante. Além dos mencionados "donos do orçamento", há os gastos com o regime geral de previdência e com assistência social, que elevam para 80% a receita com destinação pré-definida. A diferença é que a União pode emitir dívida para se financiar.
Aos governadores que estiveram no Palácio do Planalto na semana passada, Temer respondeu: "Muito bem. Em primeiro lugar, vocês reúnam os 27 governadores, se todos estiverem dispostos a isso (aumentar as contribuições de ativos e inativos), nós vamos ter uma nova reunião, vamos examinar", segundo ele próprio contou em uma entrevista à rádio CBN. " Você sabe que a Previdência dos Estados está quebrada também, não é?", disse o presidente.
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