Por Cristiano Romero – Valor Econômico
BRASÍLIA - Eleito por um partido de esquerda - o PSB -, o governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg, não tem dúvida: o corporativismo dos sindicatos precisa ser enfrentado pelas esquerdas. Desde que assumiu o posto, em janeiro de 2015, enfrentou greves de funcionários das áreas de saúde e educação, além de paralisações de empresas estatais. Em Brasília, o gasto com pessoal e inativos consome 77% do orçamento.
"O corporativismo está contribuindo para amplificar e aprofundar as desigualdades sociais", critica o governador. "Quando o Estado perde a capacidade de fazer investimentos necessários nas áreas mais carentes, especialmente nas áreas de infraestrutura, saneamento básico, mobilidade urbana e saúde, porque os recursos estão sendo drenados para o pagamento de salários, estamos com isso aprofundando um cenário de desigualdade social."
Para Rollemberg, não há outro caminho neste momento, a não ser apoiar as reformas propostas pelo governo Temer - a PEC 241, que fixa um teto para as despesas públicas, e a reforma da previdência. Ele diz que, sem a reforma das aposentadorias, os Estados e o país vão entrar em colapso, em breve.
Criador do Fórum dos Governadores, ele informou que, como medida para minorar o problema previdenciário do setor público no curto prazo, os Estados estudam elevar, de 11% para 14% do salário bruto, a alíquota das contribuições dos servidores para a previdência. A alta seria gradual - de 1% ao ano. Os governos estaduais também dariam sua contribuição, elevando a alíquota de 22% para 28%, à razão de 2% ao ano.
Rollemberg não pretende privatizar neste momento as estatais de Brasília, mas dá um recado importante: "A crise no Brasil vai aumentar muito a consciência e o nível de exigência das pessoas. E vai ficar muito claro que ou essas empresas buscam a eficiência e uma boa prestação de serviço público ou será inexorável o processo de privatização".
A seguir, os principais momento de sua entrevista ao Valor:
Valor: Em tom de brincadeira, Eduardo Campos lhe disse certa vez que "se esse negócio (governar um Estado) fosse bom, não seria para nós". Por quê?
Rodrigo Rollemberg: Já na campanha de 2014, ele tinha uma noção muito clara de que as coisas não iam bem no país e que qualquer pessoa que assumisse o comando do governo federal ou de um governo estadual encontraria dificuldades. Ele percebia o agravamento da crise econômica, que algumas medidas de correção necessárias não foram tomadas pela presidente Dilma porque ela estava preocupada com a reeleição e isso iria apenas agravar a crise. Talvez, ele não tivesse conseguido imaginar a gravidade dessa crise. Quando eu me candidatei e procurei conhecer a situação econômica do Distrito Federal, tinha consciência de que ia encontrar uma situação grave, mas não imaginava que estivesse tão grave.
Valor: O quão grave?
Rollemberg: Uma crise acirrada pela irresponsabilidade fiscal de meu antecessor [Agnelo Queiroz, do PT], que concedeu aumentos salariais aos servidores públicos muito acima da inflação e com desdobramentos para os anos seguintes. Isso tudo agravado pela crise econômica, porque ninguém imaginava que o Brasil fosse viver dois anos de recessão, com redução do PIB de quase 7%, o que coloca todos os Estados em grande dificuldade. Quando assumi o governo em janeiro de 2015, a situação conjuntural do DF era a pior do país.
Valor: Por quê?
Rollemberg: Pegamos um rombo de R$ 6,5 bilhões, R$ 3,5 bilhões em dívidas não pagas do governo passado, muitas delas sequer registradas. No fim de 2014, o governo anterior cancelou todos os empenhos. Além disso, deixou um buraco de R$ 3 bilhões no orçamento de 2015, o que nos obrigou a fazer um ajuste muito duro. Tenho certeza de que nenhum Estado fez um ajuste com a profundidade do DF.
Valor: O que o senhor fez?
Rollemberg: Diminuímos o número de secretarias de 38 para 19, cortamos 5 mil cargos de livre provimento, fizemos redução drástica no custeio da máquina. Somadas a outras medidas, como o Refis em 2015, e, com o apoio da Justiça, conseguimos chegar a outubro de 2016 com os salários e o 13º em dia. Ainda temos uma dívida grande com fornecedores e prestadores de serviço de 2014, o que atrapalha muito a gestão.
Valor: O senhor renegociou dívidas?
Rollemberg: Não. Fizemos algo aqui que ninguém fez e que produziu um déficit grande e superior ao dos demais Estados porque, aqui, se 'pedalava' a folha de salários de dezembro desde sempre. Então, no ano passado registramos todas as dívidas, inclusive os 'esqueletos' guardados nos armários. E empenhamos, no exercício de 2015, 14 folhas. Isto significa R$ 1,3 bilhão a mais. Neste ano, teremos um déficit bem menor. É claro que isso foi às custas de muito sacrifício e esforço.
Valor: Em quanto o antecessor aumentou a folha?
Rollemberg: Além de aumentos superiores à inflação, tivemos a redução da jornada de trabalho em setores essenciais, como a saúde.
Valor: Qual foi a redução?
Rollemberg: Para 20 horas. As jornadas eram variadas, tinha de 24, 30 horas.
• "Se a questão previdenciária não for enfrentada, são os próprios funcionários que serão prejudicados"
Valor: Sob que alegação o governador anterior reduziu a jornada?
Rollemberg: Sob pressão dos sindicatos. Isso asfixia as contas do Distrito Federal. Hoje, temos 77% do orçamento comprometido com salários de ativos e inativos. Então, gastamos 77% do orçamento com 7% da população. Isso, contabilizando-se os recursos do fundo constitucional que custeiam todos os gastos com segurança pública e parte dos da saúde e educação, utilizados quase na sua totalidade para bancar os salários dos servidores. Essa questão precisa ser enfrentada. Tenho dito para os sindicatos que, para a sua própria sustentabilidade, afinal, a sua razão de ser é a existência dos serviços públicos, estamos caminhando para o colapso se não houver o enfrentamento dessas questões. Daqui a pouco teremos servidores sem ter como prestar serviço por falta de insumos, equipamentos etc. Eu tenho dito que uma nova esquerda precisa necessariamente enfrentar o corporativismo.
Valor: Por quê?
Rollemberg: Porque, hoje, o corporativismo está contribuindo para amplificar e aprofundar as desigualdades sociais. Quando o Estado perde a capacidade de fazer investimentos necessários nas áreas mais carentes das cidades, especialmente nas áreas de infraestrutura, saneamento básico, mobilidade urbana e de saúde, porque os recursos estão sendo drenados para o pagamento de salários, estamos aprofundando um cenário de desigualdade social. Apenas o déficit da Previdência dos funcionários do DF está em R$ 2,2 bilhões por ano. Esse número é exponencial. Se essa questão previdenciária não for enfrentada, são os próprios funcionários que serão prejudicados no futuro.
Valor: O funcionalismo tem estabilidade no emprego. Como, então, enfrentar o problema?
Rollemberg: Temos que ter coragem. Nos últimos anos, houve um aumento muito grande na massa salarial brasileira, especialmente do funcionalismo público, sem um aumento de produtividade. É claro que isso é insustentável. Esse debate precisa ser feito. Há uma necessidade premente de contenção desse tipo de gasto, esperando uma recuperação da economia, o aumento da receita, para que aos poucos se possa recuperar a capacidade de investimento. Ao mesmo tempo, é fundamental enfrentar o déficit da Previdência porque, senão, o sistema irá colapsar e o maior prejudicado será o aposentado, que não terá direito à sua aposentadoria. Não estamos falando de algo que vá acontecer num futuro distante, mas de algo que já irá acontecer logo em algumas unidades da Federação. Temos que fazer esse debate sem preconceito, com coragem, honestidade, profundidade, para o bem do conjunto da sociedade e especialmente para os servidores públicos.
Valor: O que pode ser feito no curto prazo para enfrentar o problema, antes da reforma da Previdência?
Rollemberg: Uma das medidas que estão sendo discutidas no Fórum de Governadores - o próprio professor Raul Velloso apresentou uma proposta - seria o aumento das alíquotas de contribuição dos servidores e do governo.
Valor: Em quanto?
Rollemberg: De 11% para 14% sobre o salário bruto para os servidores públicos e de 22% para 28% para os governos distrital e estaduais. A ideia é fazer isso paulatinamente, 1% ao ano no caso dos servidores e 2% ao ano no dos governos.
Valor: O senhor é um governador do campo da esquerda. Os sindicatos são controlados por partidos de esquerda. Que tipo de reação, portanto, está colhendo?
Rollemberg: A reação é enorme, mas tem que ser enfrentada. Como se pode conceber o fato de um sindicato ser contra a introdução de indicadores de meritocracia, de produtividade, para determinar a remuneração dos servidores da educação? Hoje, o enfrentamento tem sido no sentido do equilíbrio das contas. Há várias entidades privadas, uma delas o Itaú Social, dispostas a contribuir sem custo para os governos, para melhorar os indicadores de saúde. Mas sempre enfrentamos resistência grande dos sindicatos. Como vamos abrir mão de algo que possa contribuir? No ano passado, quando tivemos que suspender, por total incapacidade de pagar, os aumentos salariais dados pelo governo Agnelo, enfrentamos greves na saúde e na educação. Como se pode conceber que, com a maior média salarial do país, jornada de 20 horas semanais, os servidores da saúde possam ficar em greve por mais de um mês?
Valor: O senhor cortou o ponto?
Rollemberg: Chegamos a cortar o ponto dos médicos, depois, numa negociação, voltamos atrás. Amanhã [hoje], vamos anunciar que não temos como pagar aumento em outubro. No mesmo mês do ano passado, nós dissemos que não havia condições de pagar aumentos dados pelo governador Agnelo a 32 categorias profissionais. Adiamos para outubro deste ano com a expectativa de que a economia poderia crescer, mas tivemos mais um ano de recessão. Devemos ainda pouco mais de R$ 1 bilhão em dívidas a fornecedores e prestadores de serviços ainda do governo anterior, e temos necessidade de R$ 900 milhões para fechar o ano de forma equilibrada. Então, seria um contrassenso total conceder qualquer aumento. Além do quê, no cenário em que vive o Brasil, com alguns governos estaduais ameaçando declarar estado de calamidade pública, com a maioria dos Estados sem conseguir sequer pagar o salário em dia, dar aumento neste momento seria absolutamente despropositado, além da total falta de capacidade de fazê-lo. Se déssemos aumento, já no primeiro mês não teríamos condições de pagar. Estamos de forma muito franca abertos ao diálogo, mas seremos muito rigorosos no sentido de que, em qualquer paralisação ou greve, cortaremos o ponto e não abonaremos o ponto. Esperamos a compreensão dos servidores e dos sindicatos para que não haja greve, até porque as pessoas estão vendo o ambiente em que está o Brasil. Seria uma absoluta falta de bom senso um aumento salarial neste momento.
Valor: O que o senhor acha da PEC 241, aprovada em 1º turno na Câmara, que cria um teto para os gastos?
Rollemberg: Uma necessidade. Ou a gente contém o gasto público, especialmente o gasto com folha de pessoal, para que o país possa ter mais recursos para investir, ou o Brasil vai colapsar. Estamos à beira do colapso e acho que isso não interessa a ninguém. Neste momento, independentemente de partido político, temos que nos unir em torno da responsabilidade fiscal. A Lei de Responsabilidade Fiscal é uma conquista da população brasileira e é importante registrar que ela hoje serve aos mais pobres.
Valor: De que forma?
Rollemberg: O descontrole da economia promove resultados mais severos e cruéis para a população mais pobre. Quando você degrada um serviço de saúde, quem é que sofre? É quem precisa do sistema público de saúde. Se você degrada um sistema de educação pública, quem sofre é quem precisa da educação pública. E se o Estado não se equilibra financeiramente, esses são os primeiros setores a sofrer.
Valor: Além da PEC dos gastos, o grande desafio do governo será propor e aprovar a reforma da Previdência. O senhor vai se engajar também nesse tema?
Rollemberg: O presidente Michel Temer tem consciência de que uma reforma dessa só vai avançar se tiver o envolvimento de todos. E todos eu me refiro aos governadores, aos partidos, ao setor produtivo, à sociedade como um todo. É importante ressaltar que não podemos ficar esperando um salvador da pátria, alguém que venha com uma solução mágica que vá resolver, isso não vai acontecer. Temos que resolver os problemas com as lideranças que estão aí. A sociedade cobrará no futuro a nossa omissão, se houver, porque, se esses problemas não forem enfrentados agora, o país realmente vai entrar em colapso. E o colapso econômico é o caos social, então, temos que evitar isso. Esse debate precisa ser feito. As lideranças políticas precisam ter uma capacidade de diálogo muito grande para explicar a reforma à população porque esta também é muito contaminada pela visão dos dirigentes sindicais.
• "A Lei de Responsabilidade Fiscal é uma conquista da população e, é importante registrar, serve aos mais pobres"
Valor: Na sua visão, por que os sindicatos, que exerceram um papel importante no fim da ditadura, hoje se distanciam das demandas sociais para defender o que o senhor chama de corporativismo?
Rollemberg: Acho que, aí, tem uma influência do PT em função de suas características originais, um partido que surgiu do movimento sindical. Por outro lado, o presidente Lula surfou numa onda positiva da economia mundial. Hoje, dá para fazer essa avaliação com um certo distanciamento: em vez de ter aproveitado isso para que o Brasil pudesse dar um salto na infraestrutura, na qualidade da educação, da saúde, acabou-se consumindo grande parte desse crescimento na ampliação da massa salarial, especialmente no serviço público, sem uma contrapartida de um aumento de produtividade. Isso fortaleceu muito as máquinas sindicais, o que as fez se voltar muito para a defesa de interesses específicos.
Valor: O senhor acredita em fim de um ciclo político?
Rollemberg: Ao mesmo tempo em que estamos acabando um ciclo político no Brasil, haverá necessariamente uma renovação dos quadros políticos do país. Também será necessária uma renovação, para a sua própria sobrevivência, do movimento sindical. Os sindicatos, as lideranças sindicais com os olhos voltados simplesmente para a sua corporação, terão vida curta porque estamos caminhando para a insustentabilidade desse modelo.
Valor: Diante desse quadro de penúria do setor público, o governo Temer anunciou a disposição de voltar às privatizações. O governo do DF ainda possui várias estatais. O senhor pretende vendê-las?
Rollemberg: É importante a gente sair de um certo maniqueísmo. Temos que avaliar o que é melhor para o interesse da população em determinado momento. Um exemplo aqui é a empresa de energia CEB, que fechou 2014 [último ano do governo anterior] com prejuízo de R$ 150 milhões. Estamos fazendo uma gestão absolutamente profissional, sem nenhuma interferência política e, por isso, ela fechou 2015 com lucro de R$ 88 milhões. Antes, só havia nove empresas no país em situação pior que a da CEB; agora, são 29. Por outro lado, os governos tendem a, nos momentos de dificuldade, vender ativos, e o fazem quando os ativos estão mais desvalorizados. Já nos momentos de bonança, de crescimento econômico, transformam essas empresas em grandes cabides para atender ao fisiologismo. Isso tem que mudar. E nós estamos mudando aqui em Brasília. Neste momento, o nosso objetivo é a recuperação dessas empresas.
Valor: Se o senhor não vai privatizar as estatais neste momento, qual é a alternativa para investir, uma vez que não há dinheiro para nada?
Rollemberg: Estamos investindo muito em parcerias público-privadas (PPP). Já abrimos pelo menos oito processos de PPP ou de concessões. O centro de convenções, o complexo esportivo, a 'Transbrasília', que é uma intervenção urbana que vai criar uma via de mobilidade ligando vários bairros da cidade, com a criação de novas unidades imobiliárias que permitirão o financiamento da obra. Temos uma PPP de iluminação pública, enfim, um conjunto de PPPs. Queremos que empresários do Brasil e do mundo venham investir em Brasília, sabendo que agora temos uma nova gestão que, além de valorizar a parceria com a iniciativa privada, quer fazer as coisas de forma correta, republicana.
Valor: O senhor não acredita que exista uma tendência inescapável de entidades estatais à ineficiência?
Rollemberg: Acho que a crise no Brasil vai aumentar muito a consciência e o nível de exigência das pessoas. E vai ficar muito claro que ou essas empresas buscam a eficiência e uma boa prestação de serviço público ou será inexorável o processo de privatização.
Valor: Como o senhor avalia a gestão Temer até o momento?
Rollemberg: É um governo de transição que deve ser apoiado por todos os que têm responsabilidade com o país. Apoiar não significa participar do governo, mas a agenda de saída da crise, de retomada do desenvolvimento e de enfrentamento de problemas estruturais deve ser uma agenda de responsabilidade de todos que têm compromisso com o país. Quando no fim do ano passado, eu reuni o Fórum dos Governadores e buscamos construir uma agenda positiva, foi com esse objetivo. Havia uma certa inação no cenário político. O Brasil não vai superar a crise se não superar a crise dos Estados. Os governadores são atores políticos importantes que estavam à margem desse processo ou agindo de forma desarticulada. Tomei a iniciativa de organizar o fórum para engajarmos os governadores. Vejo um amadurecimento do país.
Valor: Por quê?
Rollemberg: Porque não é pouca coisa o Brasil ter vivido a crise que está vivendo, tanto do ponto de vista político, com o impeachment da presidente e a retirada do presidente da Câmara dos Deputados, e econômico, e as instituições estarem funcionando dentro de um processo de normalidade democrática.
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