O desemprego atinge 11,6 milhões de brasileiros, mas um novo indicador do IBGE mostra um retrato ainda mais dramático da crise. Chega a 22,7 milhões o total de pessoas que gostariam de trabalhar por mais horas, que estão disponíveis para o trabalho mas não buscaram vagas ou que, de fato, não conseguem emprego.
À espera de uma chance
• Falta trabalho para 22,7 milhões de brasileiros, quase o dobro do número oficial de desempregados
Daiane Costa - O Globo
Falta trabalho para 22,7 milhões de brasileiros. O número é praticamente o dobro do contingente oficial de desempregados no país, de 11,6 milhões no segundo trimestre. Um novo indicador do mercado de trabalho, divulgado ontem pelo IBGE, engloba não só o total de desempregados, como também outras 4,8 milhões de pessoas que trabalhavam menos de 40 horas semanais e gostariam de ampliar sua jornada (considerados subocupados), além de 6,2 milhões da chamada força de trabalho potencial — formada por pessoas que não buscaram uma vaga, mas estão disponíveis para trabalhar e também por quem procurou, mas não estava disponível no momento da pesquisa.
Na avaliação de economistas, os dados revelados pelo IBGE mostram que a precariedade no emprego causada pela recessão é ainda maior do que se imaginava. Em 2014, quando o país ainda não sentia os efeitos da crise no mercado de trabalho, faltava trabalho para 15,4 milhões de pessoas. Em dois anos, a recessão inchou em mais 7,3 milhões o grupo dos que querem trabalhar ou ampliar sua jornada.
— Esses novos dados mostram que a deterioração do mercado de trabalho não ocorre só pelo aumento do número de desempregados, mas de subocupados e pelo aumento da força potencial. São pessoas que não estão na força de trabalho, mas, de fato, muito próximas de passar a pressionar a taxa de desocupação quando forem procurar ou quando passarem a estar disponíveis para trabalhar num mercado que quase não contrata. A situação é preocupante — analisa Bruno Ottoni, especialista em mercado de trabalho do Ibre/FGV. Segundo especialistas, a categoria de subocupados pode abranger profissionais com jornada de trabalho mais curta, como atendentes de call center, que têm carga horária de 30 horas semanais, professores e trabalhadores informais, que vivem de pequenos serviços ou os que trabalham por conta própria.
Para o economista da Unicamp Claudio Dedecca, essa combinação de números mostra que há um grupo considerável de trabalhadores em risco:
— Percebemos um aproveitamento parcial da mão de obra. Uma parte dos que trabalham está sendo aproveitada de forma limitada. É uma parcela da força que está exposta a uma instabilidade ocupacional, a perder renda ou a viver com uma renda insuficiente, sem proteção.
EXPECTATIVA DE MELHORA EM 2017
O técnico em manutenção elétrica industrial Paulo Roberto Mendes, que há mais de 20 anos presta serviços a empresas, foi um dos trabalhadores que, no último ano, viu, mês a mês, as chamadas reduzirem. Antes, tinha trabalho de segunda a sexta-feira. Hoje, comemora quando faz atendimentos durante três dias da semana. Ainda não precisou dispensar o ajudante, mas um colega que atua em parceria, fazendo reparos residenciais, praticamente não trabalha mais com ele.
— Hoje só atendo clientes antigos. Novos não aparecem mais, e muitos dos que eu tinha quebraram. Consertos em residências pararam de vez. As pessoas já achavam que elétrica é só juntar dois fios. E, hoje, fazem isso para não gastar. Se não damos o preço do serviço por telefone, o que é inviável, porque é preciso ir até o local ver o que aconteceu, desistem na hora. Com isso, atraso conta de telefone, de internet. Está muito difícil — reclama Paulo Roberto.
De olho numa saída para a atual situação, ele já pensa em atuar em reparos na parte elétrica de veículos:
— Como as pessoas não trocam mais de carro com tanta frequência, têm investido nesses consertos. Ligam muito perguntando se faço isso. Já estou pensando em invadir esse espaço. Quando a economia não ajuda, os negócios vão se ajeitando ao mercado.
Dentro da força de trabalho potencial, estão aqueles que não buscaram uma vaga, mas estão disponíveis para trabalhar ou que procuraram, mas não estavam disponíveis no momento da pesquisa. Nesta categoria se enquadram casos como os de pessoas que, no momento da pesquisa, tiveram de cuidar dos filhos ou de outros familiares, estudavam para concurso, tinham problema de saúde ou aguardavam resposta de algum tipo de seleção.
Há ainda casos de pessoas que não estavam buscando uma vaga porque não conseguiam encontrar uma ocupação adequada, que não tinham experiência profissional ou qualificação. Outros enfrentavam dificuldades devido à faixa etária — muito jovens ou idosos — ou por questões geográficas (não havia trabalho na localidade onde moram). Estas pessoas seriam classificadas como desalentadas: desistiram de buscar trabalho devido a razões de mercado.
Para Ottoni, os novos dados devem soar como um alerta aos ouvidos do Estado:
— São informações que podem ajudar a guiar políticas públicas de forma a atender esses grupos que estão desprotegidos. O certo é que o mercado de trabalho só vai se recuperar quando a atividade econômica voltar a crescer. São cada vez maiores as chances de isso ocorrer em 2017. O mercado de trabalho, no entanto, ainda vai demorar a responder com a geração de novos empregos. Primeiro, as demissões serão estancadas. Depois, as horas de trabalho dos que estão empregados serão ajustadas. Hoje, eles podem estar com uma jornada menor.
PROBLEMAS ESTRUTURAIS DO MERCADO
Ao observar que a população subocupada pouco mudou entre o segundo trimestre de 2014 e o mesmo período deste ano — a adição foi de apenas 400 mil trabalhadores —, somando 4,8 milhões, Dedecca avalia que, na verdade, a recessão apenas revelou os problemas de estrutura do mercado de trabalho brasileiro, que paga mal e não qualifica seus profissionais:
— Nos anos de pleno de emprego, todo mundo tinha trabalho, mas isso não quer dizer que todos recebiam o suficiente para se manter ou tinham emprego de qualidade. Sempre tivemos postos de baixa produtividade, de baixa qualificação e baixa remuneração. É um mercado que absorvia, mas não qualificava nem gerava uma dinâmica sustentável de produtividade, o que limitou o crescimento do país. A recessão revela, na verdade, um problema complexo de natureza estrutural e que se torna agudo nesse momento.
O diretor-técnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio, compartilha da mesma opinião de Dedecca e lembra que o aumento da renda nos anos anteriores à recessão se deu mais pela valorização do salário mínimo do que por uma melhor remuneração pelas empresas.
A captação de novos dados que integram a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) visa a atender a exigências da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que busca padronizar as informações para permitir a comparação de dados entre os países.
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