• Diante do aumento das abstenções e de votos em branco e nulos na eleição deste ano, o cientista político Jairo Nicolau é pessimista. O professor da UFRJ prevê para 2018 uma “explosão de insatisfeitos”
Marlen Couto - O Globo
Jairo Nicolau, que lança em breve seu novo livro, “Representantes de quem?”, (editora Zahar) frisa que este é, por enquanto, um fenômeno só das grandes cidades de Sul e Sudeste derivado, principalmente, dos protestos de junho de 2013, dos escândalos de corrupção envolvendo a elite política, da crise do PT e das novidades impostas pela mudança na legislação eleitoral. Diz que, no horizonte, não há candidatos nem partidos capazes de motivar esse eleitor.
• O que explica o crescimento da abstenção pelo país?
A abstenção não é exclusivamente uma manifestação política. É claro que uma parte dos eleitores, e é quase impossível saber quanto, expressa isso. Outra parte também tem a ver com o problema do próprio cadastro. Cidades, como o Rio, fizeram o último recadastramento em 1986. Tem muita gente que mudou de cidade ou mora em outro bairro distante da sua seção eleitoral. Há também aqueles para quem o voto é facultativo, com mais de 70 anos. Além disso, o que é residual —e é um problema também— é que as pessoas morrem. Há uma demora para a retirada dos mortos do cadastro eleitoral. Mas a abstenção política está crescendo marginalmente, particularmente nas grandes cidades.
• O aumento de votos em branco e nulos preocupa?
Trata-se de um fenômeno concentrado nas cidades maiores. Tem quatro cidades para as quais chamaria atenção nesta eleição: Rio, Porto Alegre, São Paulo e Belo Horizonte. Nelas, tanto o voto em branco e nulo para prefeito quanto para vereador estão subindo eleição a eleição. Desta vez, bateu recorde. Em cidades médias do Brasil, com mais de 200 mil habitantes, esse fenômeno também cresceu, particularmente para as Câmaras municipais. No interior do Brasil, nada disso aconteceu: a taxa de brancos e nulos praticamente não se mexeu. O fenômeno está concentrado nas grandes cidades, no Sul e no Sudeste, não é ainda nacional. Claro que é preocupante. É inequívoco que a gente está diante de uma manifestação de desencanto e protesto.
• O que explica essa concentração nas grandes cidades?
Essa visão difusa contra os políticos é maior nas grandes cidades por conta das manifestações de junho de 2013, por conta dos canais em que essas informações circulam mais. No interior também tem Facebook, redes sociais, mas a impressão é que essa onda se iniciou entre as pessoas mais escolarizadas dos grandes centros e começou a se espalhar entre os mais pobres. Eleição no interior é outra coisa. Todo mundo conhece o candidato a prefeito, encontra na rua. Todo mundo tem alguém na família que é candidato a vereador.
• O sentimento antipolítica está mais forte no país desde junho de 2013?
Junho de 2013 é uma virada. A maior parte da opinião pública sempre criticou os partidos, o Congresso. Basta ver as pesquisas de opinião dos anos 1980. O que se passou de 2013 para cá? Pela primeira vez, tivemos manifestações agressivas e tendo os políticos como alvo. Isso contribuiu para reforçar uma ideia negativa da política. Depois, com tudo o que se passou no país, a desconfiança em relação à nossa elite política cresceu, por razões óbvias, pelos escândalos todos. Teve mais um fator que não pode ser desconsiderado: a crise do PT. O PT sempre foi visto como um patrimônio. Quando entrou na ciranda, isso aumentou o pessimismo. Lamentavelmente, a crise do PT não é a crise de um partido. Quando lideranças importantes são envolvidas nesses escândalos, isso sinaliza para a sociedade o seguinte: não dá, é tudo igual, política não presta. Desde que a urna eletrônica foi adotada, as taxas de branco e nulo reduziram muito. Achava que tínhamos chegado em um patamar entre 5% e 10%, esperado para uma democracia que tem o voto obrigatório. Só que a gente voltou a estourar a barreira dos 20%. Voltamos para os brancos e nulos da era da cédula de papel, em que tinha muito branco e nulo por erro, por dificuldade de preenchimento. É uma notícia ruim para a democracia.
• A nova legislação eleitoral pode ter contribuído para esse fenômeno?
As campanhas ficaram muito cerceadas. As motivações da lei são boas, as cidades estão mais limpas. Tive oportunidade de andar no interior do estado e vi a eleição muito animada, gente na rua, carreatas. As pessoas conhecem os vereadores. A televisão não tem tanta importância. No Rio, em São Paulo e em Belo Horizonte, a campanha não apareceu na rua, porque foi muito curta e cerceada. Não estou criticando o cerceamento, ele é legítimo, mas bem ou mal o eleitor conhecia os candidatos. Os candidatos das grandes cidades não tiveram nem tempo fixo na televisão. Eram aquelas inserções que pingavam. Tanto que os candidatos de reduto e com uma certa máquina foram mais bem sucedidos. Você precisa ter formas de fazer com que a campanha chegue (aos eleitores). Uma parte desses votos brancos e nulos atribuo a esta nova legislação eleitoral.
• E na disputa pela prefeitura?
A eleição ficou curta demais. A lei passou (as campanhas) de 90 para 45 dias, tentando reduzir os custos. Talvez devesse ser de 90 para 60 ou 70 dias. No Rio, particularmente, por conta das Olimpíadas e Paralimpíadas, a energia do carioca ficou muito concentrada em outros temas. De repente, o tempo na TV foi muito curto. Na TV também passou de 45 para 35. No horário eleitoral, o tempo de dez minutos ficou pouco. Houve um erro, o debate foi rápido. Talvez a gente tenha que se adequar a este modelo. Não achava ruim três meses de campanha. Principalmente os candidatos que fazem campanhas mais artesanais, reuniões nas casas, precisam de tempo.
• A reforma política ajudaria a fortalecer a participação do eleitor?
Claro que mudar um pouco a legislação e aspectos eleitorais poderia deixar o sistema mais simples, com uma disputa com menos concorrentes. Isso contribuiria para um sistema eleitoral mais eficiente. Mas a questão é que esse debate nutriu muitas esperanças falsas de que você pode mudar a qualidade da elite política mudando o sistema eleitoral. Há uma onda de crítica à elite política. No lugar de se buscar melhores candidatos e partidos, se entrou em um movimento de recusa para bem ou para mal, e acho que para o mal. Na próxima eleição, em 2018, não tenho dúvida, os políticos vão continuar encontrando um território árido, um eleitor desconfiado. Isso dificulta ainda mais a campanha dos candidatos. Se nada mudar, podemos chegar à eleição de 2018 com uma explosão de votos em branco e nulos, chegando entre 20% e 30%. Não vejo nada no horizonte a curto prazo capaz de inverter esse padrão, um candidato ou um partido que encante ou retome a confiança. O que vemos na prática com esse comportamento é que uma parte dos eleitores está começando a incorporar a ideia da abstenção e voto em branco e nulo como práticas. Em 2018, vai ser pior. Porque é uma eleição nacional.
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