domingo, 6 de novembro de 2016

Reforma não evitará cortes de R$ 300 bi no Orçamento

• Novas regras na aposentadoria só terão efeito a longo prazo

Nos próximos dez anos, gastos com benefícios devem continuar subindo e será preciso apertar outras contas para cumprir o limite para despesas públicas

Mesmo que a reforma da Previdência seja aprovada, o governo terá de cortar ao menos R$ 300 bilhões em outras despesas orçamentárias nos próximos dez anos para cumprir o teto de gastos em votação no Congresso, informa GERALDA DOCA .A reforma só terá efeito a longo prazo, e o novo limite para o crescimento das despesas públicas, que deve entrar em vigor já no ano que vem, prevê que os gastos totais do governo não podem crescer acima da inflação. O tamanho do corte, porém, vai depender do alcance da reforma da Previdência a ser enviada ao Congresso e do resultado final da votação.

Uma conta de R$ 300 bi

• Mesmo com aprovação da reforma, governo terá de cortar outras despesas para cumprir teto de gastos

Geralda Doca - O Globo

-BRASÍLIA- Mesmo que a reforma da Previdência seja aprovada, como seus efeitos virão apenas a longo prazo, o governo terá de cortar ao menos R$ 300 bilhões em outras despesas orçamentárias nos próximos dez anos para cumprir o teto de gastos em votação no Congresso — que já deve vigorar em 2017 — e, assim, fechar o rombo previdenciário do país. Segundo estudo técnico da Consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados, com base em projeções oficiais, as despesas com benefícios previdenciários somarão R$ 8,441 trilhões até 2026 — montante que teria de cair para R$ 6,297 trilhões com a aplicação do novo limite para as despesas públicas. Ou seja, em valores reais (de hoje), é uma diferença de R$ 1,328 trilhão: montante superior ao impacto estimado pelo Executivo para a reforma da Previdência, na casa de R$ 1 trilhão no período.

Ainda assim, essa conta vai depender do alcance da proposta de emenda constitucional (PEC) a ser enviada ao Congresso e do resultado da votação. A estimativa do governo considera uma reforma abrangente, que buscará a convergência de regras para todos os trabalhadores. O texto será encaminhado assim que o Executivo fechar e der início a uma ampla campanha de esclarecimento à sociedade sobre a necessidade das mudanças, disse ao GLOBO um ministro da equipe econômica. Enquanto isso, o foco é a conclusão da votação da PEC do teto do gasto público — prevista para 13 de dezembro no Senado.

Se a reforma da Previdência não é suficiente para cobrir a despesa com benefícios ao longo da próxima década, sem ela, seria o caos, argumenta uma fonte do governo. Técnicos da equipe econômica preferem, inclusive, não vincular a necessidade de mudanças nas regras da aposentadoria à implementação do teto do gasto público, sob o argumento de que o regime não tem sustentabilidade, diante da trajetória explosiva das despesas.

— Ademais, quanto menor é o impacto, mais necessária é a reforma — destacou uma fonte do governo.

O levantamento técnico reforça que o aumento dos gastos com a Previdência — acima da inflação nos próximos anos — pressionará as demais despesas e tornará o teto inviável, se não houver uma reforma. Por causa do envelhecimento da população, o dispêndio com aposentadorias vem apresentando crescimento vegetativo acima de 3% ao ano, destaca o estudo. Além disso, a política de reajuste do salário mínimo (que permite ganhos reais) funciona como outro fator de pressão, pois o cálculo da aposentadoria é feito pela média dos 80% maiores salários de contribuições e, como houve aumento do salário médio nas duas últimas décadas, a tendência é que os novos benefícios tenham valores superiores aos pagos atualmente. E cerca de 62% dos benefícios são equivalentes ao piso nacional, no regime geral.

IMPACTO MAIOR A MÉDIO E LONGO PRAZOS
A previsão é que o teto de gastos dure 20 anos — podendo ser revisto após dez anos de vigência do novo regime. A proposta limita o crescimento das despesas totais do governo à variação da inflação do ano anterior. É exatamente na primeira fase do teto de gastos que estarão em pleno vigor as regras de transição da reforma da Previdência e que tendem a ser mais leves para os trabalhadores mais próximos da aposentadoria: homens (50 ou mais) e mulheres (45 anos). Neste caso, a ideia é permitir se aposentar pelas regras atuais, pagando pedágio de 50% sobre o tempo que faltava para requerer a aposentadoria.

Há também a questão dos direitos adquiridos (pessoas já aposentadas e que não serão afetadas) e o fato de que as regras mais duras, como corte no valor da pensão e proibição de acumulação de benefícios, como aposentadoria e pensão, valerão somente nas novas concessões. Por isso, os efeitos da reforma são menores no início de vigência das novas regras, com impacto maior no médio e longo prazos.

Ainda que a reforma seja aprovada no ano que vem, será preciso cortar R$ 26 bilhões (em valores reais) das despesas orçamentárias de outras áreas em 2017. Em 2018, a estimativa é de R$ 43,4 bilhões, de acordo com o estudo.

Para o especialista Leonardo Rolim, membro da consultoria do orçamento, o efeito mais amplo da reforma virá com as regras permanentes (mais duras), com fixação de idade mínima de 65 anos para todos os trabalhadores (homens e mulheres, dos setores público e privado). Porém, a reforma terá de imediato um papel fundamental na reversão de expectativas, contribuindo para estimular o crescimento, reduzir juros, gerar empregos e receitas e reduzir o endividamento público.

— A reforma não vai resolver todo o problema de contenção de despesas. Porém, ela é básica para equilibrar as contas públicas — destacou Rolim.

O economista Paulo Tafner mencionou também os efeitos dinâmicos da reforma, ao abrir espaço para a economia crescer além das previsões. Com isso, destacou, a receita tributária deve crescer mais, o que vai ajudar o governo a acomodar as despesas, no novo regime fiscal. Para ele, já há certo consenso na sociedade e entre os parlamentares de que o sistema exige ajustes e não suporta mais as aposentadorias aos 50 anos de idade.

— A própria reforma tem medidas para aumentar a receita ao exigir que as pessoas passem mais tempo contribuindo para a Previdência. Isso vai permitir elevar a arrecadação e reduzir gasto — disse Tafner.

Para o especialista em contas públicas Fábio Giambiagi, ainda que o governo consiga aprovar uma reforma adequada no próximo ano, haverá necessidade de novas mudanças para atender o fluxo de despesas com aposentadorias no futuro:

— A reforma será adequada e bastante rigorosa em relação às condições de aposentadoria de 2032 em diante, mas será, provavelmente, insuficiente para lidar com o fluxo de aposentadorias dos próximos anos. Minha impressão é que o governo eleito em 2018 talvez tenha que fazer outra reforma referente às condições de aposentadoria na década de 2020.

DESPESA COM BENEFÍCIOS ASSISTENCIAIS
Segundo um interlocutor do Planalto, antes de enviar a proposta ao Congresso, o presidente Michel Temer negociará com os governadores medidas a serem incluídas na PEC para ganhar apoio e ajudar a aliviar a crise fiscal nos estados como, por exemplo, o aumento da alíquota de contribuição de 11% para 14% para os servidores. Pretende ainda costurar apoio explícito às mudanças com as entidades representativas do setor produtivo.

O estudo técnico da Câmara também chama a atenção para o crescimento de outras despesas obrigatórias como benefícios assistenciais concedidos a idosos, seguro-desemprego e abono (PIS) — que podem prejudicar o cumprimento do teto do gasto público. Segundo o levantamento, dentro de dez anos, estes gastos vão atingir R$ 1,665 trilhão. O valor teria que baixar para R$ 1,242 trilhão no período. Diante do quadro, técnicos da equipe econômica buscam alternativas para reduzir o peso desses benefícios.

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