• Bloco aliado impõe derrotas ao governo para marcar posição e, agora, espera mais espaço no Ministério
Eduardo Barretto, Simone Iglesias e Leticia Fernandes - O Globo
-BRASÍLIA - No papel, o governo de Michel Temer tem mais de um terço dos 513 deputados da Câmara em um só grupo aliado, o “centrão”. Na prática, porém, o cálculo não é tão simples. Quando não é atendido em seus interesses, o bloco costuma trazer problemas para o governo, vende caro o seu apoio e não se acanha em confrontar outros aliados da base de sustentação do Planalto. Na terça-feira, o centrão deu mais um exemplo das derrotas que pode infligir ao governo, quando aliou-se à oposição e aprovou a renegociação da dívida dos estados com a União, mas sem contrapartidas. Mesmo assim, o cordão do centrão está no topo da lista dos contemplados em uma possível minirreforma ministerial cogitada para fevereiro.
Por conta das movimentações do grupo, até a data da eleição para a presidência da Câmara está incerta. Jovair Arantes (PTB-GO), integrante do bloco e também pré-candidato ao cargo, acusou o atual presidente, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de “rasgar o regimento” ao marcar a eleição para o dia 2 de fevereiro de 2017. Jovair diz que a praxe da Casa é eleger o novo presidente no dia 1º, logo na volta do recesso parlamentar.
— Ele (Maia) está rasgando as tradições e as páginas da Constituição e do regimento interno mais uma vez. Ele usa de todos os casuísmos e vai continuar usando até alguém tirar ele de lá, e isso vai acontecer no voto — criticou.
CENTRÃO: RECUO DE TEMER
Jovair alega que Maia está manobrando para que os adversários não possam contestar a candidatura dele. Segundo Jovair, não haveria tempo hábil para fazê-lo, já que as inscrições para candidatos estão abertas até as 23h de 1º de fevereiro, e a eleição está marcada para as 9h do dia 2. O regimento interno da Casa, porém, só fixa a eleição neste dia quando é realizada no início de uma nova legislatura, o que não é o caso da disputa de 2017.
Rodrigo Maia, que o Planalto gostaria de ver reconduzido ao cargo, afirmou que não há irregularidade no cronograma anunciado.
— A Constituição e o regimento estão e estarão sempre sendo respeitados — disse o presidente da Câmara.
É graças ao centrão — formado por um bloco de siglas heterogêneas como PP, PR, PSC e PRB — que Temer ainda não nomeou um novo ministro da Secretaria do Governo. Geddel Vieira Lima pediu demissão há um mês, mas quando o tucano Antônio Imbassahy (BA) foi garantido no cargo por auxiliares do Planalto e do Congresso, uma visita do centrão ao gabinete presidencial fez Temer recuar.
Além de exigirem nomeações que estariam atrasadas desde as negociações do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, os deputados reclamaram de interferência do governo na eleição para a presidência da Câmara, na volta do recesso. A ameaça foi clara: a reforma da Previdência não iria adiante. Deu certo. O Planalto prefere discretamente a reeleição de Rodrigo Maia, e um tucano na articulação com o Congresso deixaria o centrão em maior desvantagem ainda.
No vai e vem do centrão, o ponto mais baixo foi em julho, com a derrota do líder do PSD, Rogério Rosso (DF), para Maia na eleição para a presidência da Casa, após a cassação de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), grande aliado do grupo. O centrão perdia duas vezes seguidas.
A hibridez do bloco, que tem quatro vezes mais deputados do que o PSDB e só 20% menos parlamentares do que a base aliada, faz com que o horizonte para o ano que vem fique confuso. Com o fogo nem sempre amigo, os discursos em público não são claros.
— O centrão não existe. Não sou nem centrão, nem direitão — desconversa Rosso, que também demonstra querer mais espaço no governo. — Se o governo pensa em estar mais perto de sua base, acho ótimo. Tem que olhar para todos. A base foi muito exigida nesse segundo semestre e vai ser ainda mais cobrada em 2017.
Os partidos do centrão emplacaram sete dos 25 ministérios. Os nomes mais representativos são Marcos Pereira, presidente afastado do PRB e comandante do Ministério da Indústria e Comércio; Gilberto Kassab, presidente licenciado do PSD, ministro das Comunicações; e Ricardo Barros, do PP, que ocupa o Ministério da Saúde. O bloco atingiu seu auge indicando, também, o líder do governo na Câmara: André Moura (PSC-SE).
ESPLANADA À VISTA
Custou ao governo manter a agenda de reformas duras que demandaram votações expressivas, como a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do teto de gastos, que precisava de três quintos do plenário. Para desanuviar o clima, Temer cogita prestigiar o grupo com uma minirreforma ministerial para fevereiro — só depois da eleição à presidência da Câmara, para não irritar o centrão. Apesar de “mini”, a mudança colocará em jogo pastas importantes. Além da Secretaria de Governo, estarão à disposição a Saúde, o Planejamento e o Trabalho.
Criado na Constituinte de 1988 para se contrapor ao peso do PMDB nas decisões que levariam à nova Constituição, o centrão é um bloco informal que reúne, hoje, sete partidos e age ao sabor do vento governista. Teve cargos e influência nas gestões de Fernando Henrique, Lula e Dilma Rousseff, período em que chegou ao auge sob a liderança de Cunha, então presidente da Câmara. A atuação do “centrão” foi decisiva no impeachment. Na semana que antecedeu a aprovação da admissibilidade do processo, na Câmara, Dilma chegou a entregar dezenas de cargos a representantes do centrão, sem sucesso.
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