• Desequilíbrio fiscal de Rio, Minas, Goiás e Rio Grande do Sul foi ignorado
Pareceres técnicos por reprovação não são levados em conta por conselheiros nomeados pelos governadores
Os tribunais de contas dos estados, responsáveis pelo controle da administração pública, avalizaram a gestão financeira de governos que enfrentam grave crise e não conseguem sequer pagar o salário do funcionalismo, conta Sérgio Roxo . É o caso de Rio, Minas, Goiás e Rio Grande do Sul, que tiveram as contas aprovadas em 2015, embora apresentassem as piores notas na avaliação do Tesouro Nacional. Rio, Minas e Rio Grande do Sul decretaram calamidade financeira. Nomeados pelos governadores, os conselheiros dos TCEs muitas vezes contrariam pareceres técnicos pela reprovação das contas.
Fiscalização frouxa
• Tribunais de contas ignoram desequilíbrios fiscais de estados em calamidade financeira
Sérgio Roxo - O Globo
-SÃO PAULO- Responsáveis por zelar pelo bom uso do dinheiro público, os tribunais de contas deram aval para a gestão financeira de estados que hoje enfrentam dificuldade até para pagar o salário dos funcionários. Mesmo em situação de desequilíbrio fiscal, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Goiás tiveram as contas de 2015 aprovadas. Os quatro estados são os que apresentam as piores notas na avaliação financeira da Secretaria do Tesouro Nacional.
A falta de uma atuação mais rigorosa na fiscalização da administração orçamentária faz com que o papel dos tribunais de contas estaduais (TCEs) seja colocado em xeque. Para especialistas, as nomeações políticas dos conselheiros contribui para que os pareces das áreas técnicas sejam minimizados no julgamento das contas.
No caso de Minas e do Rio Grande do Sul, a aprovação das contas de 2015 contrariou pareceres do Ministério Público de Contas (MPC), que atua nesses tribunais.
— Uma razoável parcela de responsabilidade pela situação financeira dos estados é dos tribunais de contas — avalia o procurador Geraldo Costa da Camino, do Ministério Público de Contas do Rio Grande do Sul.
Para o cientista político Marco Antonio Teixeira, professor da Fundação Getúlio Vargas que estuda a atuação dos tribunais de contas, os órgãos ficaram à margem do debate sobre a crise financeira dos estados:
— A impressão é que os tribunais de contas não se deram conta do problema quando ele poderia ser controlado.
As contas dos governos são analisadas nos TCEs por sete conselheiros, em sua maioria nomeados por indicação dos governadores, e enviadas para julgamento final nas assembleias legislativas.
— Os parlamentares fazem um julgamento político. Os tribunais devem julgar apenas tecnicamente — diz o procurador Camino.
Levantamento realizado em 2014 pela ONG Transparência Brasil mostrou que 80% dos conselheiros de tribunais de contas pelo país ocuparam anteriormente cargos políticos.
— Se o tribunal tem um corpo que é muito próximo do governador de plantão, isso pode livrá-lo de dificuldade no julgamento das contas — afirma Teixeira, da FGV.
O procurador do MPC do Rio Grande do Sul aponta ainda problemas relativos ao enquadramento dos conselheiros nas exigências estabelecidas na Constituição para ocupar o posto. Os nouma meados devem ter “reputação ilibada e notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública”.
— Em tese, as indicações exclusivamente políticas estão entre as causas de inefetividade no controle das contas — analisa Camino.
O levantamento da Transparência Brasil apontou também que 23% dos conselheiros dos tribunais sofrem processos ou foram punidos na Justiça ou nas próprias cortes em que atuam. No dia 13 de dezembro, o presidente do TCE do Rio, Jonas Lopes, foi conduzido coercitivamente pela Polícia Federal para depor, acusado por executivos de empreiteiras de pedir dinheiro para aprovar contratos que deveriam ser fiscalizados.
As contas de 2015 do Rio foram aprovadas por unanimidade, apenas com ressalvas. Na classificação sobre a situação fiscal divulgada em outubro pelo Tesouro Nacional, o estado ficou com D. As notas do Tesouro são dadas nos moldes das avaliações das agências internacionais de classificação de risco, e vão de A+ aD-. A nota A é para os estados que possuem situação fiscal excelente, e aD configura desequilíbrio fiscal.
— Onde estava o Tribunal de Contas quando o Rio foi fazendo renúncia fiscal atrás de renúncia fiscal comprometendo o orçamento do estado? Se isso for analisado, talvez a gente encontre relação com a condução coercitiva do presidente do TCE — afirma Teixeira.
Procurado, o TCE-RJ não comentou uma possível contradição entre a aprovação das contas de 2015 diante da situação fiscal do estado, que decretou estado de calamidade financeira.
No Rio Grande do Sul, o MP de Contas vem dando pareceres contra a aprovação das contas desde 2007, mas os conselheiros jamais acataram essa recomendação na hora do julgamento.
— Se ao longo de décadas, o Tribunal de Contas tivesse analisado as contas com mais rigor talvez o estado não estivesse na situação em que está — afirma Camino.
Em novembro, o governo do estado decretou calamidade financeira. Apenas metade do 13º salário dos funcionários deve ser paga este ano. O presidente do TCE-RS, Marco Peixoto, afirma que não há contradição entre a aprovação das contas e a situação financeira do estado:
— O desequilíbrio financeiro vivido pelo Rio Grande do Sul é histórico e possui causas complexas. A simples recomendação pela rejeição das contas teria agravado a crise pela impossibilidade de repasses federais. Além dos problemas de gestão, apontados sempre pelo TCE, o estado teve redução de receita pelo comprometimento de 13% de seu orçamento desde a renegociação da dívida com a União.
Também sem condições de pagar o 13º dos funcionários na data correta, Minas teve as contas de 2015 aprovada por 4 votos a 2 (o presidente não votou). O MPC havia emitido parecer pela desaprovação, alegando que o governo maquiou a receita ao classificar R$ 4,8 bilhões de depósitos judiciais como receita corrente líquida. Sem essa quantia, o estado ultrapassaria o limite de endividamento previsto pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Procurado, o TCE-MG não respondeu.
Em Goiás, classificado pelo Tesouro Nacional com nota D+, as contas de 2015 foram aprovadas por unanimidade. O TCE-GO informou que a análise da contas foi técnica.
O presidente da Associação Nacional dos Membros dos Tribunais Contas (Atricon), Valdecir Pascoal, reconhece que os TCEs precisam admitir falta de rigor no julgamento das contas nos últimos anos, embora ressalve que sem a atuação dos tribunais a situação fiscal dos estados seria pior.
— Embora os principais responsáveis pelo desequilíbrio fiscal sejam os próprios governantes, é necessária uma autocrítica. Hoje, há quase um consenso de que poderíamos ter sido mais literais e inflexíveis na interpretação da LRF, especialmente no que se refere ao conceito de despesas com pessoal — afirmou.
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