• Crise econômica e impasses políticos vão permanecer à vista
Marlen Couto - O Globo
Com a virada de ano, os astros podem até indicar mudanças, mas é certo que a crise política que prolongou 2016 não deve chegar ao fim à meia noite de 31 de dezembro. Na avaliação de cientistas políticos ouvidos pelo GLOBO, os impasses que abalaram até aqui os bastidores do poder em Brasília devem continuar a integrar a lista de desafios que o presidente Michel Temer terá de enfrentar em 2017. O desgaste com o avanço das investigações da Operação Lava-Jato e a tentativa de aprovar, no Congresso, medidas contra a crise econômica darão o tom das articulações governistas.
— 2017 vai ser 2016, em parte. Talvez não termine nem em 2017. A agenda governamental é a mesma. O desafio do governo Temer é a rigor o mesmo que Dilma Rousseff enfrentou, antes do impeachment: a corrupção e a crise econômica — diz o cientista político Júlio Aurélio, da Fundação Casa de Rui Barbosa.
Outro fator que deve mobilizar de imediato o governo em 2017 é a crise fiscal que afeta parte dos estados. O pesquisador da Universidade de Brasília ( UnB) Antonio Testa destaca que o início do ano para Temer será politicamente e administrativamente tenso:
— Temer terá muita dificuldade logo no início do ano, após a posse dos novos prefeitos. A União está falida, e os maiores municípios têm problemas sérios do ponto de vista econômico. A crise nos estados, começando pelo Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Goiás pode criar instabilidade e gerar insatisfação — lembra o pesquisador da UnB.
Se as investigações que atingem o peemedebista enfraquecem seu governo e ameaçam travar o avanço de futuras reformas, o sucesso em uma agenda positiva que alivie a recessão na economia poderá legitimá- lo, analisa Cláudio Couto, da FGV-SP. Para o cientista político, o árduo caminho a ser trilhado por Temer no ano que vem tem uma via de mão dupla.
— Ao mesmo tempo que a Lava-Jato provoca fragilidades, o sucesso na agenda econômica pode dar a Temer força para enfrentar possíveis dificuldades judiciais. O governo pode ser visto como necessário — conclui Couto.
Apesar de declarar em recentes entrevistas que não está preocupado com sua baixa popularidade, segundo os analistas, a imagem negativa de Temer pode ser um complicador durante a votação de pautas importantes na Câmara e no Senado. Pesquisa Ibope da semana passada mostrou que a reprovação ao governo subiu sete pontos percentuais desde setembro deste ano e saltou de 39% para 46%.
O cientista político Felipe Borba, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), ressalta que, embora a popularidade em queda não seja um problema para a carreira política de Temer, já que o presidente não deverá disputar a reeleição em 2018, sua baixa aprovação pode levar ao afastamento de partidos aliados preocupados com uma possível rejeição nas urnas já na próxima disputa presidencial, especialmente a cúpula tucana.
— A baixa popularidade pode ser um problema, porque os partidos podem não querer se contaminar e sair do governo. Pode ser um empecilho para a governabilidade, principalmente quando se aproximar de 2018 — destaca Borba.
1 Eleição de aliados para o comando do Congresso
Logo no início do ano, Temer terá de lidar com a escolha dos sucessores de Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Renan Calheiros (PMDB-RN) para as presidências da Câmara e do Senado.
Caberá ao governo eleger parceiros confiáveis, sem criar divisões na sua base. Parte da governabilidade de Temer dependerá de quem ocupar esses cargos. — Por mais que negue, Temer agirá para eleger os próximos presidentes — diz Felipe Borba, cientista político da UniRio.
Um racha com os presidentes do Legislativo pode custar caro, como foi o embate entre Dilma Rousseff e o ex-deputado Eduardo Cunha, preso em Curitiba.
Eleito para um mandato-tampão após a queda de Cunha, Maia já se mobiliza para disputar a reeleição.
A seu favor, pesa um parecer favorável a sua candidatura, assinado pelo deputado Rubens Pereira (PCdoB-MA), relator de uma consulta feita à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Contra, a pressão de pré-candidatos do centrão e de alguns tucanos, o que poderá gerar dor de cabeça ao Planalto.
2 Coesão da base e apoio dos tucanos
A união da base que vem votando no Congresso a favor de temas que interessam ao governo é um dos principais desafios de Temer.
O apoio da base será fundamental para o governo aprovar medidas impopulares, como a reforma da Previdência e a trabalhista.
Para Borba, Temer precisará fazer um rearranjo ministerial, que contemple mais espaço para o PSDB:
— Se deputados perceberem que estar com Temer pode causar dano, sua base pode se dissolver, especialmente em relação ao PSDB, que tem chances na disputa pela Presidência em 2018 e pode vir a se contaminar.
Um desafio é manter o PSDB no governo, ampliando seu espaço, com novos cargos — afirma o professor da UniRio. Cláudio Couto, da FGV-SP, por outro lado, não vê margem para o afastamento tucano.
— Eles têm ministros e a agenda governamental é tucana. Talvez seja conveniente o Temer fazer as reformas, mas para fazer é preciso que seu governo tenha sustentação — conclui o cientista político.
3 Turbulências com a operação Lava-Jato
Os desdobramentos da Operação Lava-Jato podem atrapalhar os planos do governo para o ano que vem.
O depoimento do ex-vice-presidente de Relações Institucionais da Odebrecht Cláudio Melo Filho já atingiu em cheio a cúpula do governo.
Ao todo, 800 depoimentos de 77 executivos da empreiteira aguardam homologação pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki.
— A Lava-Jato pode deixar o governo em stand by. A Câmara e o Senado podem parar — prevê Antonio Testa, pesquisador da UnB.
Para Júlio Aurélio, da Fundação Casa de Rui Barbosa, Temer terá como missão propor um pacto republicano entre os três Poderes, que responda aos debates sobre a lei de abuso de autoridade, às dez medidas contra a corrupção e aos supersalários do Judiciário.
Ao Executivo, caberá fazer o meio de campo entre Legislativo e Judiciário: — Se isso é discutido dentro de um pacto, não haveria essa fragmentação. É uma iniciativa que tem ser da Presidência.
4 Incerteza sobre a cassação da chapa
O julgamento da ação que pede a cassação da chapa Dilma-Temer no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) manterá o governo acuado e pode gerar incerteza ao longo do ano, inclusive para a concretização das reformas para a recuperação da economia, avaliam os analistas.
O presidente do TSE, ministro Gilmar Mendes, já admitiu que o julgamento pode não acontecer no primeiro semestre, caso as delações das Odebrecht abram novas frentes de investigação, e Temer já avisou que, em caso de cassação, irá recorrer.
— É um espectro que paira sobre o governo. Pelo andar da carruagem, o curso estabelecido pelo TSE, se houver cassação, leva a uma eleição parlamentar em 2017, o que pode abrir uma nova crise.
Isso gera mais incertezas que o impeachment, porque a gente já tinha uma experiência anterior com o Collor — diz Júlio Aurélio. Atonio Testa ressalta a natureza política que o julgamento pelo TSE poderá adotar:
— Se a economia não reagir, ele pode ser cassado.
5 Medidas contra a crise econômica
Temer segue com a meta de viabilizar cortes de gastos do governo. Embora o presidente tenha obtido algumas conquistas nos últimos meses, como a aprovação da PEC do teto de gastos, Júlio Aurélio, da Casa de Rui Barbosa, alerta para os riscos políticos de o presidente se prender à “rigidez ideológica” se quiser manter o apoio de uma base também composta por partidos de centro-esquerda.
— Não importa como você lê o déficit. Dilma e (Joaquim) Levy (ex-ministro da Fazenda) tinham como instrumento melhorar a arrecadação, enquanto Temer propõe o corte de gastos.
O governo não deve abrir mão das reformas, mas precisa enxergar outras possibilidades.
Se limitar ao corte de gastos é uma armadilha ideológica. Desse jeito, várias propostas não vão passar. Isso já ficou claro na votação sobre as dívidas dos estados. O resultado não agradou — diz. Antonio Testa, por outro lado, minimiza a inflexão do governo:
— É uma tática do executivo mandar um projeto já esperando mudanças — explica.
6 Os riscos da impopularidade
No horizonte, especialmente as propostas de reformas da Previdência e a trabalhista, defendidas pelo governo, enfrentarão resistência e podem desencadear protestos nas ruas.
— Toda agenda impopular tende a gerar reação na sociedade. Sem dúvida, vai mobilizar principalmente aqueles que já são de oposição, a esquerda de forma geral, o movimento sindical.
É provável que tenhamos manifestações de rua — acrescenta Cláudio Couto.
Para Testa, da UnB, uma possível saída para o presidente é manter medidas econômicas que tenham “ressonância popular”, como o recente anúncio de liberação de saques do FGTS.
Outra necessidade é melhorar a comunicação com a sociedade, esclarecendo as mudanças propostas pelo governo.
— O governo Temer é tão ruim de comunicação quanto Dilma e Lula no primeiro mandato.
É preciso se comunicar com a população, como ocorreu no Plano Real. Temer corre contra o tempo. E a ampulheta já estava na metade quando assumiu.
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