- O Estado de S. Paulo
• A sensação que se tem é que faltou diagnóstico e audácia no enfrentamento da crise
“Nenhum arrependimento é capaz de compensar oportunidades desperdiçadas ao longo de uma vida.”
Charles Dickens
“Nenhum pacote é capaz de compensar oportunidades desperdiçadas ao longo de sete meses de governo.” Nesses últimos dias pré-natalinos, o governo brasileiro parece ter resolvido transformar a austeridade travestida de sovinice aos olhos equivocados de alguns em generosidade, tal qual Ebenezer Scrooge. Os pacotes anunciados pelo Ministério da Fazenda e pelo Banco Central incorporam o arrependimento das oportunidades deixadas de lado nesses longos sete meses do governo de Michel Temer, e o medo de que as piores premonições do espírito dos Natais Futuros venham a se tornar realidade. Parece até que a equipe econômica recebeu a visita sinistra, na calada da noite, da figura envolta em traje negro, rosto oculto, figura que não profere palavra pois expressa a solidão e a angústia em sua aparência.
Na semana passada, o Ministério da Fazenda anunciou medidas para “melhorar a produtividade” e ajudar as empresas e famílias a sair do atoleiro. Parece que, pouco a pouco, percebe o governo que o drama das dívidas excessivas não é exclusividade do setor público – federal ou estadual –, mas também do setor privado. Embora o pacote tenha méritos, sobretudo no desenho dos incentivos corretos para evitar a tentação perversa dos Refis, isto é, de que empresas atrasem pagamentos de impostos para receber descontos no futuro como tornou-se praxe no governo Dilma, ele é tímido demais, veio tarde demais, para resolver o problema de excesso de endividamento que asfixia o investimento e o consumo. Autoridades insistem em nos pedir calma e paciência, que ao final de 2017 o País estará crescendo novamente, que a herança deixada era demasiado maldita para que se esperasse mais. Tudo perfeitamente sóbrio e sensato, a não ser pela constatação ingrata de que as promessas de maio previam que a economia brasileira já estaria crescendo nesse fim de 2016 embalada pela confiança que renasceria das reformas de médio prazo. Descobrimos ao longo desses sete meses que debaixo do manto do espírito do Natal Presente que nos oferecera o governo ainda no primeiro semestre estavam os consumidores e as empresas encolhidos, alguns à beira da falência.
Eis que, uma semana depois do anúncio da Fazenda, resolve o Banco Central fazer sua parte. De nome pouco criativo – BC+, ou “BêCê Mais” – desvelou a autoridade monetária seu plano de benesses para ajudar a economia brasileira. Em longa entrevista coletiva, BC+ foi revelado, partes com gosto de espírito dos Natais Passados. É difícil, senão impossível, imaginar que a redução dos spreads bancários dar-se-á por desejo manifesto. Até porque parte do motivo para os spreads elevados reflete o maior risco no balanço das empresas e consumidores entupidos de dívidas – os mesmos consumidores e empresas que, antes de pensar em tomar mais crédito, hão de escolher livrar-se de suas obrigações financeiras, adiando qualquer cenário otimista que se possa ter a respeito da retomada do consumo e do investimento. Que fique claro: as medidas do BC para diminuir o custo do crédito são boas, mas é preciso dois para dançar tango. Ainda que ao longo do tempo o crédito fique mais barato, empresas e famílias estarão mais preocupadas em limpar seus balanços. O ponto mais positivo dessa agenda “mais” do BC é a reestruturação do mercado financeiro brasileiro, sobretudo a reavaliação do crédito direcionado. O Banco Mundial tem ajudado nessa tarefa, com um trabalho primoroso sobre danos do crédito direcionado no País.
De resto, a sensação que se tem é que faltou diagnóstico e audácia ao governo no enfrentamento da crise. O diagnóstico ficou limitado ao fiscal, a audácia tremeu ante a perspectiva da inflação – que cairia, com ou sem a audácia ausente do BC dada a gravidade da crise – e a possibilidade de que alguém fosse taxar o BC, ou qualquer outro membro da equipe econômica, de “heterodoxo”, de estar seguindo o caminho de Dilma. Esqueceram-se todos de que Dilma foi quem destruiu. Comparações com suas medidas são inadequadas.
Bom o esforço natalino do governo, mas não bom o suficiente. Resta-nos resmungar: “Humbug”.
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*Economista, pesquisadora do Peterson Institute For International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University
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