- O Globo
A base aliada do governo, sua maior garantia de estabilidade política, mostrou ontem que também é sua maior fraqueza. Contra a orientação do líder do governo, uma maioria esmagadora nascida da união entre aliados governistas e a oposição liderada pelo PT aprovou a renegociação da dívida dos estados sem nenhuma contrapartida.
Foram apenas 12 votos fiéis para o governo. Alguém tem dúvida de que o presidente Michel Temer não vetará a medida, que vai de encontro ao programa de recuperação financeira que ele tenta colocar em pé?
O próprio presidente da Câmara, Rodrigo Maia, estabeleceu claramente as regras, quase que num desafio ao presidente Michel Temer: votamos o que consideramos ser o melhor para o Brasil. Se o presidente não concordar, ele que vete.
O regime de recuperação fiscal suspende por três anos o pagamento da dívida de estados em calamidade fiscal, como Rio de Janeiro e Minas Gerais, entre outros, e as contrapartidas serão determinadas por meio de projeto específico nas assembleias legislativas.
O texto que veio do Senado previa que, durante a moratória, os estados ficariam proibidos de conceder reajustes aos servidores, criar cargos, realizar concursos públicos, criar despesa obrigatória de caráter continuado e gastar com publicidade oficial. Medidas bastante razoáveis, que agora serão negociadas em cada Assembleia, geralmente dominadas pela base governista local.
Ao defenderem a independência da Câmara em relação ao que desejava o Ministério da Fazenda, os deputados trataram o tema como sendo uma bandeira política, quando o que estava se desenrolando ali no plenário, na véspera do recesso parlamentar, era apenas mais uma manobra de bastidores para defender interesses específicos.
O PT, por exemplo, ficou contra o financiamento de planos de demissões voluntárias, como se com isso estivesse defendendo os empregos. Na verdade, inviabilizando essa alternativa, ele e a eventual maioria estavam na realidade criando mais dificuldades para todos os funcionários públicos, que não recebem seus salários em diversos estados.
A questão não está em proteger a independência da Câmara, mas em formarem-se maiorias eventuais para impor o interesse de corporações acima dos interesses nacionais. Quando se tem uma maioria com densidade programática, o governo pode navegar em águas turbulentas com a certeza de que o rumo será mantido.
Quando, ao contrário, essa maioria é formada por representantes de grupos de interesses, instala-se um governo dentro do governo, onde todos se tornam dependentes das idiossincrasias dos outros.
A busca obsessiva do sonho de ter uma base aliada que barrasse qualquer iniciativa de instalação de CPIs e, no limite, até de um impeachment, levou o ex-presidente Lula ao mensalão e ao petrolão.
O que garante não apenas a permanência de Michel Temer na Presidência da República, mas, sobretudo, uma expectativa de poder de mais dois anos pela frente, é a sua formidável base de apoio parlamentar.
Uma base que, nas suas origens, guarda os segredos e os complexos movimentos políticos que a ligam da mesma maneira ao mensalão e ao petrolão e colocam em risco o mandato do presidente Temer, em processo em trâmite do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
As revelações da Operação Lava-Jato demonstram a fragilidade da base parlamentar governista, que ao mesmo tempo só pode revelar-se como um instrumento de poder político se aprovar as reformas que o governo anuncia.
Mas ontem ficou claro que, pelas próprias características heterodoxas que a formam, essa base de apoio não é totalmente controlável pelo Palácio do Planalto. E é também sua grande fragilidade, seu calcanhar de Aquiles.
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