A Operação Lava Jato expôs em doses inéditas as mazelas dos partidos políticos nacionais. Aos olhos da população não chega a ser uma novidade o envolvimento das legendas com a corrupção, mas as revelações da Lava Jato mostraram outro patamar de participação de lideranças partidárias no crime. Naturalmente, essas descobertas contribuíram para piorar ainda mais a imagem – já bem desgastada – dos partidos políticos.
Além da questão criminal, o atual sistema partidário propicia inúmeras distorções na representação parlamentar. Um problema grave são os partidos nanicos, que, custeados pelo Estado, só servem a seus proprietários e ajudam a transformar o Parlamento num balcão de negócios.
No momento, o Congresso analisa uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC 36/2016) que impõe uma cláusula de barreira aos partidos políticos. De acordo com o texto aprovado no Senado e encaminhado em novembro passado à Câmara, as legendas, para terem direito ao pleno funcionamento parlamentar, precisarão preencher nas eleições para a Câmara dos Deputados, entre outras condições, a obtenção de um mínimo de 3% dos votos válidos. Só após ultrapassarem essa barreira, os partidos terão direito aos recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão. Trata-se de uma salutar medida, pois impede que partidos sem votos recebam recursos públicos, distorcendo a representação parlamentar. A PEC, no entanto, ainda não foi aprovada pelo Congresso e continua vigente o sistema de incentivo aos partidos nanicos, com seus deletérios efeitos.
Diante desse quadro não muito edificante – envolvimento no crime e sérias deficiências na representação política –, não é de estranhar que os partidos políticos desfrutem de péssima reputação junto à população, sendo encarados como elementos prejudiciais aos bons costumes e à democracia. Para alguns, a moralização da vida pública exigida pela sociedade incluiria necessariamente a dizimação das atuais legendas.
Não são poucos, infelizmente, os brasileiros que pensam que, por terem comprometedoras vinculações com episódios de corrupção, os partidos políticos, que também manipulariam e bloqueariam a real vontade da população, servindo apenas para a manutenção da situação social vigente, tão injusta e ultrapassada, deveriam ser extintos. E aí residiria importante parte da missão da Operação Lava Jato.
Essa visão dos partidos, mesmo que possa ser tida como manifestação de intolerância com a corrupção, é extremamente perigosa para a democracia. Há corrupção nos partidos – que precisa ser devidamente combatida –, mas a atividade partidária em si nada tem de criminosa. Ao contrário, ela é um dos importantes esteios de sustentação da possibilidade concreta de uma democracia.
A política é a arte do possível. Ideias e propostas tornam-se possíveis e viáveis só após ultrapassarem a esfera estritamente individual. Por mais brilhantes que sejam, ideias solitárias, se assim permanecem, não frutificam. A esfera partidária – agrupamento de pessoas unidas em torno de um núcleo de princípios e ideais – é etapa obrigatória para o debate, o aprimoramento, a difusão e a aplicação efetiva das ideias e propostas que circulam fecundamente numa sociedade.
Sem partidos não há pluralismo político, por mais que seja permitida a defesa individual das ideias. Tanto é assim que os regimes totalitários sempre monitoraram e perseguiram as reuniões de resistência. As lideranças desses regimes bem sabiam que as forças capazes de derrubá-las poderiam surgir nesses grupos de pessoas, e não em outros lugares.
Disposta a reinstalar o Estado Democrático de Direito, a Assembleia Constituinte de 1988 colocou os partidos políticos entre as instituições fundamentais para a organização do Estado, estabelecendo que a filiação partidária é condição imprescindível para o exercício de mandatos eletivos. É necessário combater a corrupção e melhorar o sistema partidário, mas não é boa coisa matar os partidos. Tal discernimento é fundamental para a democracia.
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