Quando foi que a sociedade carioca se f....? Talvez, em tempos de redes sociais puritanas, nossa pergunta com reticências crie espanto maior que a grave crise o qual assola inúmeros cariocas, particularmente aposentados e pensionistas do serviço público estadual. Estamos perplexos com as manifestações públicas do novo mandatário carioca e de uma parcela de seu novo secretariado. Tudo seria simples se já não tivéssemos esse enredo em tempos do nosso passado quando governantes bebiam a água do Guandu, comiam a merenda escolar em CIEP´s, varriam parte do sambódromo após desfile das escolas de samba. Na verdade, há uma "trégua" qual a antropologia carioca confere aos governantes. Aguardamos o ano político começar após o Carnaval. Entretanto, não podemos deixar de fazer alguns comentários para evitar reedições de erros no campo democrático e progressista.
No pronunciamento de posse, o novo Prefeito, em contradição com as expectativas de aumento de gastos públicos para "cuidar das pessoas", se enquadrou na linha do monetarismo da recém aprovada PEC 55 (estabelecimento do teto de gasto público por 20 anos). Assim, o lema "Proibido gastar" não é só uma frase de efeito, mas uma sinalização de um alinhamento do Governo Municipal com o PMDB de Michel Temer (seguindo a cartilha de César Maia em recente entrevista). Não é estranho que o PMDB fluminense tenha ficado em segundo plano na nova engenharia do poder. Nesse primeiro momento, jogam-se os dados do varejo da política local. O Presidente da Câmara de Vereadores (outra vez reeleito e com base no bairro de Bangu) alertou para a necessidade do novo gestor municipal saber estreitar suas relações com o legislativo municipal, aonde a maior bancada é do PMDB.
O Poder Legislativo está partidariamente fragmentado e sem um eixo político que o oriente nesse mundo de mercado do voto. Além disso tudo, o PMDB fluminense e seus aliados não saíram do mapa da política carioca alimentada pelo clientelismo. A natureza do clientelismo ainda vive em nosso município sob o chapéu do novo Secretário Municipal Especial de Relações Institucionais, cujo seu filho e herdeiro político foi eleito vereador com votação considerável na Zona Oeste carioca. Temos 20% do legislativo municipal com base política nesse "Texas" suburbano. Uma "questão política e democrática" que para a nossa melhoria passa por uma interpretação desse quadro.
No cenário político carioca, ao contrário de São Paulo, não há movimentos sociais relevantes. O movimento juvenil se encontra em refluxo com a falta de perspectiva política das ocupações das unidades escolares por causa de seu viés sectário (ocupam-se escolas públicas sem conquistar apoio/solidariedade na sociedade). Os servidores públicos municipais vivem acuados por uma reedição da crise dos pagamentos salariais do Governo Estadual e municípios vizinhos. Nesse momento, não estamos em tempos da "Primavera dos Povos" como os resultados do segundo turno eleitoral vieram confirmar.
As lutas políticas se materializam sem classes sociais, nos quais os atores políticos se configuram em agrupamentos de interesses privados e os partidos políticos estão desfigurados. Até mesmo grupos políticos do campo democrático e progressista por causa da natureza do "lulismo". Alimenta-se o corporativismo societal sem formação de um corpo político que faça a unidade democrática dos cariocas. Grave constatação quando percebemos que os trabalhadores pobres e do subúrbio não reconhecem no Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) como seu instrumento de luta política, pois esse reedita a postura hegemonista do Partido dos Trabalhadores no campo da esquerda carioca conforme se fez nos anos 80 e 90. Além disso, o PSOL faz o discurso da modernização com poucos núcleos de base inseridos e atuantes na periferia carioca. Diante da falta de qualidade para negociar, trilha pela caminho da mobilização constante de uma militância esquerdista que faz muito barulho sem conquistar a maioria. Ficamos refém de um esquerdismo que precisa ser rompido. Caso contrário, não haverá uma oposição que organize o campo político de uma centro-esquerda carioca.
Estamos, todas as vertentes democráticas do Rio de Janeiro, entregues aos caprichos dos "extremismos" da política, que, mais uma vez, não considera a relevância da democracia na solução dos problemas sociais. Nesse "caldeirão de sociedade", em ebulição por um profundo quadro recessivo nacional, agravada pelo índice record do desemprego juvenil entre os cariocas, o sectarismo da "frente popular" esquerdista das eleições de 2016 permitiram a saída conservadora sob a bandeira do populismo. Há conservadorismo na nova gestão municipal a medida que não há uma pressão democrática à centro-esquerda. O esquerdismo só empurra esse conservadorismo de valores para uma reedição do populismo do "socialismo moreno". A polêmica sobre o aumento das passagens cariocas se assemelha ao fracassada estadualização das empresas de ônibus no primeiro Governo de Leonel Brizola. Esperemos que o caminho democrático estimule a formação de um Conselho Municipal de Usuários do Transporte Público que poderia servir como meio consultivo de uma opinião sem viés populistas.
Tocqueville se espantaria com a natureza centralizadora da reforma da estrutura administrativa municipal. A natureza centralizadora da política brasileira, para seguir nossa linhagem ibérica de Oliveira Vianna, concentrou inúmeras atribuições administrativas e órgãos do município no Gabinete da Prefeitura. Não se esqueça que a Secretaria de Ordem Pública ganha um perfil mais ativo na política de segurança pública como sugere o Decreto Municipal que estabelece um prazo de 10 dias para um Plano de repressão aos "arrastões" nas praias. Nesse caso, o Hobbes da Restauração Inglesa se faz presente entre nós. As forças democráticas não se devem intimidar com as justificativas de austeridade, que estão mascarando uma simbiose entre a centralização e a civilização do espetáculo com a aparição de algumas cenas "factóides" somadas aos golfinhos verdes.
O esquerdismo carioca tem responsabilidade nesse processo. Além de quadros cooptados pelos novos tempos do Governo Municipal, inúmeros grupos se mantém no gueto eleitoral e, sem aceitar, que, no fundo, alimentam esse novo cardápio do populismo carioca. Por quê? Porque o esquerdismo carioca não faz a articulação necessária entre um órgão legislador e fiscalizador (a Câmara de Vereadores) e a sociedade. O atalho político da abstenção em fazer a política e em negociar. Não faz a educação política das massas pela negociação e organizando a pressão da sociedade, pois ficam no comodismo de acumular forças políticas pela negação sem trazer solução paras os problemas reais. Reforçam a abstenção de eleitores de parcelas mais ao centro da política e reforça esse malefício do populismo como forma de anestesiar a sociedade. São os "anjos" em rebelião com os "profetas" em tempos messiânicos. Contudo, há uma reserva política conservadora no sertão carioca de Realengo, Bangu, Campo Grande e Santa Cruz, nas quais as linhagens do clientelismo induzem milhares de votos seja para Noé, Abraão, Moisés ou Marcelo em troca de favores.
Há os momentos de polarizar na apresentação das propostas políticas. Contudo, há o momento de fazer política com o diálogo com o centro político e/ou eu entorno para viabilizar saídas que mudem a vida dos cariocas por meio da participação e democratização das decisões. Cuidar das pessoas pelo caminho da ampliação dos canais democráticos, pois a transparência está na ampliação da gestão pública das ações sociais com a sociedade participando não de forma burocrática dos Conselhos Municipais de Educação e Saúde. Devemos refundar a participação da cidadania nos conselhos citados anteriormente e nos demais Conselhos. Tirar a blindagem com a publicidade de seus atos para que todos cariocas compreendam que há muito mais que "salvadores da pátria". Façamos campanhas de ações da cidadania para enfrentar os problemas da saúde e na assistência social.
As lições do católico Hebert de Souza em 1993 se revelam atuais. São ações emergenciais que organizam a sociedade em "Comitês" de ajuda, apoio, fomento de alternativas públicas em articulação com as instituições democráticas. Um verdadeiro mutirão carioca e democrático que deveria ser estimulado pelo campo da centro esquerda, liberais e religiosos de todos credos para o bem humano. Enfrentar o ressurgimento do populismo, ante-sala do autoritarismo, essa é a tarefa desse momento. Portanto, devemos reinventar o compromisso democrático entre as forças políticas liberais e democráticas da esquerda. Esse é o desafio de uma esquerda que deseja ser propositiva e positiva. O diálogo é o primeiro passo para a mudança política reformista.
Nenhum comentário:
Postar um comentário