O ritmo mais seguro da recuperação global pode fazer com que as taxas de juros subam mais rapidamente no curto prazo e obrigue o Banco Central Europeu a desfazer sua política de relaxamento monetário antes do previsto. Um alinhamento maior, ainda que não completo, do movimento dos juros nos dois lados do Atlântico tende a drenar recursos de países emergentes como o Brasil, cujas empresas se financiarão a um custo maior. A redução mais intensa dos juros domésticos, ao tornar menor o diferencial de juros, vai no mesmo sentido e favorece a médio prazo alguma desvalorização do real.
A indústria americana, segundo o índice dos gerentes de compra, revelou em fevereiro sua melhor performance em dois anos e meio, com crescimento em 18 dos 19 setores manufatureiros, alta de encomendas e preços ao produtor e salários ainda contidos. A inflação, medida pelo índice predileto do Federal Reserve, o das despesas de consumo pessoal (PCE), chegou a 0,4% em janeiro e 1,9% em doze meses. Seu núcleo, que exclui alimentos e energia, foi de 0,3% ou 1,7% em doze meses, já não tão distante da meta de inflação de 2% do banco.
Declarações feitas ontem por quatro presidentes dos Feds regionais, mais os dados positivos de atividade, levaram os mercados a antecipar a data do próximo aumento de juros - os índices futuros apontam uma chance de 80% de que ele ocorrerá já em março. Da mesma forma, os mercados futuros agora sugerem que passou a ser pouco maior de 50% a possibilidade de que haja três ou mais altas de juros no ano. As projeções dos membros do Fed indicam três elevações. O dólar refez sua trajetória de alta, enquanto que os rendimentos dos títulos do Tesouro de dois anos atingiram 1,3%, os maiores desde 2009. As expectativas do mercado embutem o programa de alívio fiscal e de estímulo à infraestrutura de Donald Trump.
A novidade desta vez pode vir da zona do euro, cujo crescimento em 2016 foi superior ao dos Estados Unidos. O índice dos gerentes de compra de fevereiro mostrou o melhor desempenho industrial do bloco desde o início de 2011, com destaque especial para a Itália e a Alemanha. Há mais sinais robustos de que o processo de recuperação segue bom curso. O crédito ao consumidor teve em janeiro a expansão mais rápida desde 2008 e melhorou também para as empresas, embora tenha se concentrado nos empréstimos de curto prazo.
Com energia mais cara - aumento de 20% em euros entre novembro e dezembro -, a inflação está subindo na zona do euro. Nos doze meses terminados em fevereiro, ela chegou a 3% na Espanha, a quarta maior economia do bloco, a 1,5% na Itália e a 2,2% na Alemanha, a maior economia. Foi o primeiro mês em que houve alta do nível de preços em todos os 19 países do bloco monetário.
Depois de longos meses de espera, o Banco Central Europeu começa a colher os frutos de seu intenso programa de estímulo monetário, que, em princípio, durará pelo menos até o fim do ano. No entanto, a velocidade da reflação na zona do euro pode mudar esse calendário. Pela projeção do BCE, a inflação sai de 0,2% em 2016 para 1,7% este ano, já não tão distante assim da meta de um índice menor que, mas próximo a, 2%.
O BCE acredita que a inflação subjacente ande por volta de 0,9%, ainda distante do objetivo, e que a alta temporária pode ser debitada ao aumento da energia e dos preços de algumas commodities, que se esvairá. Já a "Survey of Professional Forecasters" do BCE, feita em janeiro, mostra que a inflação a longo prazo para a zona do euro está estável em 1,8%.
Mas depois de enfrentar várias surpresas desagradáveis, o BCE pode ter de passar a enfrentar as agradáveis. Os preços das commodities podem não se acomodar tão cedo, porque refletem a retomada do crescimento tanto nos principais países desenvolvidos como nos emergentes. O índice de comportamento da indústria (Markit) na China subiu pelo oitavo mês consecutivo em fevereiro, avançou na Índia, enquanto que Brasil e Rússia devem deixar a recessão para trás este ano. Os efeitos desastrosos previstos com o Brexit não apareceram até agora.
Há grandes riscos políticos no horizonte, a começar por Trump, e há também a possibilidade de que os juros a curto prazo se distanciem razoavelmente dos que prevaleceram até o fim de 2016. Nada indica mudanças abruptas, que tragam nova onda de turbulências ao Brasil. O "interregno benigno", de todo modo, está acabando.
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