terça-feira, 21 de março de 2017

Nome aos bois | Eliane Cantanhêde

- O Estado de S. Paulo

Na guerra a favor e contra a Carne Fraca, é importante denunciar, mas sem generalizar

Tudo no Brasil agora é assim: preto e branco, bons e maus, santos e demônios, joio e trigo. E tudo vira uma guerra irascível entre os que veem as coisas de forma radicalmente diferente, mas, entre dois extremos, há 50 tons de cinza, azul, verde e amarelo e o mais correto e prudente é tanto aprofundar as investigações quanto ficar atento para que as mesmas investigações não extrapolem e causem mais mal do que bem.

O primeiro mandamento é dar nome aos bois e não generalizar. Nem todos os políticos, nem mesmo os quase 40 nomes vazados do pacote do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, são iguais a Sérgio Cabral e Eduardo Cunha. E nem todos os produtores de carne no Brasil, nem mesmo todas as holdings e empresas do setor, são corruptos e vendem carne podre no mercado interno e internacional.

O governo Temer está dividido. De um lado, a PF apura propinas a superintendentes e fiscais da Agricultura para relaxar o rigor na abertura de frigoríficos, na produção e na liberação de carne para os consumidores. Sob ataque, suspeita de uma ação coordenada para desautorizar a Operação Carne Fraca e avisa que tem muita carta na manga.

De outro lado, a Agricultura suspende a exportação de 21 frigoríficos, afasta agentes públicos suspeitos, compromete-se a repassar as informações técnicas à PF e engrossa o coro de produtores contra “o estardalhaço” da própria operação – que reuniu 1.100 homens, a maior de campo já feita pela Federal. Ao distinto público, o ministro Blairo Maggi condenou as “fantasias” e a “idiotice” e avisou que as investigações tomariam “outro rumo”.

Entre esses dois lados estão o Itamaraty, preocupado com a imagem já tão machucada do Brasil, a área econômica, em pânico com os riscos para a recuperação do crescimento e dos empregos, e a Justiça, que em tese manda na PF e cujo ministro, Osmar Serraglio, foi gravado em conversas efusivas com um dos envolvidos.

No domingo, no Planalto, Temer nem recriminou o que seriam excessos da PF nem tirou a razão de Maggi, que está enfrentado o touro a unha e garantindo a transparência das informações. O governo é obrigado a admitir que, numa hora assim, é um trunfo ter um ministro do agronegócio, que conhece tudo e todos do setor, em vez de um “notável” indicado só por questões partidárias.

Participaram da reunião Maggi, Leandro Daiello (PF), José Levy (secretário executivo da Justiça), o embaixador Marcos Galvão (segundo do Itamaraty) e especialistas, criando uma “sala de crise” para reagir rápido às notícias, reverter o clima de que a carne brasileira é péssima e lembrar o rigor dos próprios importadores quanto à qualidade do produto.

Na sexta-feira, houve uma unanimidade a favor da Operação Carne Fraca e contra as holdings JBS e BRF, mas no domingo já crescia a consciência do “desastre” para as exportações e para o agronegócio, o PIB e os empregos, e ontem havia uma guinada na percepção geral, uma divisão nas redes. Os elogios incondicionais à operação cederam vez a críticas aos “excessos”, “erros” e “riscos” para o Brasil, enquanto União Europeia, China e até vizinhos suspendiam temporariamente a importação de carne do Brasil, até ver o que há de verdade e como fica.

Eles, que são caciques, que se entendam. Nós, índios, nem queremos generalizações que prejudiquem ainda mais a imagem do País e a retomada de crescimento e empregos, nem admitimos que, em nome de conveniências políticas econômicas, arme-se uma operação-abafa para esconder a propina, os ácidos e corantes para disfarçar a podridão e o fedor de produtores inescrupulosos de carne. Aliás, já que a investigação começou, que tal inspecionar o acondicionamento nas prateleiras de supermercados?

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