- O Globo
Presidente do STF diz que, muitas vezes, juízes têm de fazer ‘escolhas trágicas’; para ela, é importante haver uma diversidade de interpretações entre os ministros
Diante da instabilidade política e econômica, muitas vezes o Supremo Tribunal Federal (STF) é instado a agir diante de demandas que partem de parlamentares e de unidades da federação. Embora tome decisões de impacto quando acionado, e muitas vezes já tenha sido acusado de interferir em debates e decisões do Congresso, a presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, disse no evento “E agora, Brasil?” que não é verdade que o Supremo legisle, pois esse é um ato exclusivo do Poder Legislativo.
— O Supremo tenta, tanto quanto possível, não assumir nada que não seja dele em termos de jurisdição. Agora, fica sempre a ideia de que o Supremo faz ou entra em assuntos que não são dele. (O Supremo) Não está legislando? Não está legislando. Lei é um ato formal do Poder Legislativo — afirmou a presidente do STF, ao ser perguntada pela colunista do GLOBO Míriam Leitão sobre o assunto.
A ministra afirmou que são de conhecimento geral centenas de decisões da Corte se recusando a interferir em assuntos de outro Poder:
— Não é fato que o Supremo esteja legislando. O Supremo não legisla. Tanto que cansamos de dizer isso. Vocês vão encontrar algumas centenas de decisões em que a gente diz: daqui eu não vou porque não sou legislador. Significa dizer: se a norma é inconstitucional, eu digo que não pode ser aplicada Mas, se não vier a norma, não posso dizer como fazer.
Assuntos de repercussão que nascem no Legislativo e Executivo, por vezes, são questionados pelos partidos no Poder Judiciário. Aconteceu, por exemplo, com o próprio processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff e com a PEC dos gastos públicos, que limitava as despesas por 20 anos.
LIMINARES NA ÁREA DA SAÚDE
Os assuntos para os quais o Supremo é acionado não influenciam somente no plano federal. No evento, a ministra contou que, no dia seguinte à posse como presidente do Tribunal, se reuniu com os 27 governadores.
— A primeira reclamação (dos governadores) foi quanto à questão da Saúde: as pessoas chegam aqui (no Supremo) e pedem remédios, tratamento e o Judiciário determina que se dê o dinheiro. Eu disse a eles: se os senhores fossem juízes e chegassem na sua porta e dissessem que a Constituição lhe garante o direito à Saúde, e seu pai vai morrer se não tiver esse medicamento, e o SUS diz que não tem porque a Anvisa ainda não liberou, vocês dariam a liminar. Porque você não vai carregar na cacunda a morte de alguém sendo que a Constituição garantia.
Cármen Lúcia disse que o Judiciário não está participando da administração:
— Não estou mandando e administrando, até porque eu não sei. Só estou impedindo que alguém morra. Essas são as tragedy choices, as escolhas trágicas que os juízes têm que fazer.
Em entrevista antes do evento, a ministra disse que o STF sempre foi chamado a participar de momentos graves da História do Brasil. O que acontece agora, segundo ela, é que o Judiciário, de forma geral, ganhou mais divulgação e tem sido mais solicitado nos mais variados temas. O STF, como órgão de cúpula, segue essa lógica.
— A Constituição de 1988 trata de muito mais temas e, com isso, o ingresso em juízo é muito mais comum. Estamos hoje com mais de 80 milhões de ações em juízo para uma sociedade de 200 milhões de pessoas. Então, todo mundo tem conhecimento do Judiciário, dos juízes. Felizmente, a cidadania cobra muito mais dos juízes. Acho que isso é uma demonstração de democracia. E nós, do Judiciário, temos que nos transformar para dar conta, com a rapidez necessária, desta demanda da sociedade.
“É PRECISO HAVER RENÚNCIA À VAIDADE”
Cármen Lúcia também falou sobre o fato de parecer que hoje existem 11 Supremos diferentes, devido às discrepâncias entre as decisões dos ministros. Ela lembrou que as decisões saem de um colegiado, e que as diferenças são importantes para se chegar ao resultado comum.
— Num colegiado, para se ter unidade, é preciso haver a renúncia à vaidade. (...) Para julgar, um colegiado depende de sua diferença, eé a diversidade que vai levar à unidade. Então, são 11 Supremos porque cada um decide de um jeito, e tem que decidir mesmo, mas a decisão sempre vai ser do colegiado.
Segundo a presidente do STF, os ministros só decidem monocraticamente aplicando decisões que o plenário do Tribunal já tomou anteriormente. Qualquer processo que necessite de nova deliberação é levado ao plenário. Os relatores conduzem os processos apenas quanto aos atos, não quanto aos julgamentos. Para Cármen Lúcia, é bom que não haja unidade de pensamento:
— A unidade é o totalitarismo. Não é nem autoritarismo, pois o autoritarismo admite, mesmo que seja só para se imaginar, para se ver, como nós tivemos no Brasil, um outro partido que tenha visão diferente. Agora, o totalitarismo só tem um. Nós somos uma unidade no colegiado.
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