- Valor Econômico
Banco quer emitir LCI, LCA e Letra Financeira; não terá mais R$ 500 bi
Em 1998, quando assumiu a presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o economista André Lara Resende fez um memorável discurso em que dizia que, como o Brasil estava a caminho de deixar de ser uma "economia autárquica" para passar a ser uma economia de mercado, o banco deveria acompanhar aquele movimento. Quase 20 anos depois, o que se vê é que o BNDES multiplicou de tamanho e atua de forma muito parecida com a dos tempos da "economia autárquica".
Há um máxima no mercado, segundo a qual, quanto maior é o BNDES, menor é o mercado de capitais. Era nisso que Lara Resende pensava quando mandou seu recado na posse. Em 1998, o Plano Real, do qual o economista foi um dos principais formuladores, tinha apenas quatro anos, mas já mostrou ter sido bem-sucedido em debelar a inflação crônica que assolava o país havia quase três décadas.
Paralelamente ao plano de estabilização da economia, o governo Fernando Henrique Cardoso promoveu reformas institucionais importantes, como a quebra do monopólio estatal nos setores de petróleo e telecomunicações, a primeira reforma da previdência social, a proibição para que Estados e municípios emitissem títulos - uma das principais fontes da superinflação - e a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal, que vedou o financiamento da União e dos entes subnacionais por bancos públicos.
Eram mudanças necessárias para assegurar o sucesso da estabilização de preços no longo prazo. Com a queda brusca dos índices de preços, o Estado brasileiro perdeu seu principal sócio - a inflação alta, que corroía o valor real do gasto corrente e os salários do funcionalismo - no equilíbrio das contas públicas. Fez-se urgente a tarefa de reduzir o tamanho do Estado na economia não por razões ideológicas, mas simplesmente porque não havia recursos suficientes para manter o enorme aparato estatal criado durante a ditadura militar.
No novo modelo, dezenas de empresas foram privatizadas e entraram em cena as agências reguladoras, autônomas, dotadas da missão de zelar pelo bom funcionamento dos vários setores da economia. O que estava em curso, portanto, era o desmonte do que Lara Resende chamou de "economia autárquica" - naquele modelo, as principais empresas eram estatais e, como tais, cumpriam também a função de regular seus mercados.
Diante da transição, o BNDES deveria ter um papel novo, mais voltado à condução do próprio processo de desestatização bem como à correção de falhas de mercado onde elas existissem. O problema é que o ímpeto reformista do primeiro mandato de FHC (1995-1998) acabou ali.
Por causa da forte e artificial apreciação do real, o país entrou em crise pouco depois da moratória da Rússia, em meados de agosto de 1998, pediu socorro ao FMI pouco depois da reeleição do presidente e, em janeiro de 1999, voltou a entrar em crise, desta vez porque o mercado não acreditou mais na capacidade do governo de aprovar medidas fiscais duras e manter o regime de câmbio quase-fixo. O dólar disparou e FHC nunca mais recuperou a popularidade.
Nos anos seguintes, a estabilidade voltou a ser colocada em dúvida - em 2002-2003, quando a eleição de Lula provocou pânico nos investidores, fazendo o real sofrer acentuada desvalorização, e mais recentemente, no terrível triênio 2014-2015-2016, quando as políticas de Dilma Rousseff arruinaram os fundamentos e a confiança dos empresários.
O Brasil já não é mais aquela "economia autárquica" de que Lara Resende falava. Mas a modernização rumo ao que se pode chamar de economia de mercado ficou no meio do caminho. Ademais, entre 2008 e 2015, o governo Dilma empreendeu grande esforço para ressuscitar o modelo superado já no fim dos anos 80 e cujos resultados foram a inflação crônica e a falência do Estado.
No período citado, o Tesouro Nacional transferiu ao BNDES, na forma de empréstimo subsidiado, mais de R$ 500 bilhões, o equivalente a cerca de 10% do Produto Interno Bruto (PIB). O curioso, para não dizer trágico, é que, no mesmo período, o estoque de investimento da economia - a compra de equipamentos e os gastos com construção e inovação - recuou quase quatro pontos percentuais de PIB.
"O banco, que eu conheci quando fui diretora lá atrás, era um banco que tinha funding do FAT e do mercado. Lançava bônus, captava no mercado e tinha também a devolução dos recursos dos empréstimos. Nunca teve funding do Tesouro", disse a esta coluna e ao repórter Francisco Góes a presidente do BNDES, Maria Silvia Bastos Marques.
Assim como André Lara Resende em 1998, neste momento Maria Silvia e sua equipe discutem o papel do BNDES. "O banco não vai mais ter R$ 500 bilhões do Tesouro. Isso foi episódico, teve um impacto, digamos, questionável sobre a imagem da instituição." Ela revelou que está consultando o Banco Central sobre a possibilidade de o banco captar recursos via emissão de Letra de Crédito Imobiliário (LCI) e Letra de Crédito Agropecuário (LCA). Planeja também emitir Letras Financeiras (LF), como já fazem os outros bancos.
"Qual é o papel de um banco como o BNDES num país de inflação baixa, taxa de juros real baixa, uma economia estável, em que os desafios são diferentes? Que subsídios têm que estar no orçamento da União, como já estão os subsídios ao financiamento agrícola, um 'case de sucesso', transparente?", indaga Maria Silvia.
Em maio, com apoio do Banco Mundial, o BNDES promoverá seminário no Rio, com a presença dos representantes de bancos de desenvolvimento de vários países, para justamente debater o papel dessas instituições em economias estáveis. O seminário não será um exercício diletante: dali, a diretoria do banco oficial colherá ensinamentos e experiências para elaborar o planejamento estratégico da instituição até 2030.
Algumas mudanças já foram feitas. "O banco sempre foi de uma certa forma questionado por apoiar o setor A em detrimento do setor B, por apostar na empresa A em vez de na B. Por isso, agora, nossa preocupação é com o projeto", explicou. "Quando você apoia um projeto, independentemente do setor onde ele está, trabalha de forma totalmente horizontal. O que importa para o banco se o projeto de inovação é do comércio ou da indústria? Nada. O que importa é se é um projeto de inovação."
Maria Silvia diz que a discussão sobre se o BNDES será menor daqui em diante é irrelevante. "Digamos que, num dado momento, eu tenha R$ 50 bilhões em empréstimos e R$ 100 bilhões em fiança? Seremos um banco de 150 bilhões."
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