- O Globo
Os barões do agronegócio estão contaminados pela arrogância dos empreiteiros no nascedouro da Lava-Jato
O ministro da Agricultura, doutor Blairo Maggi, chamou de “idiotice” a acusação, apresentada pela Polícia Federal, de que um frigorífico do grupo BRF estivesse usando papelão nas suas salsichas. Faz sentido.
Maggi bate duro. É um bilionário do agronegócio, já foi chamado de Rei da Soja (título que herdou do pai) e a ONG Greenpeace presenteou-o com a “Motosserra de Ouro”. Conhece o mundo dos negócios e o da política. Chegou ao Senado pela gambiarra da suplência e ao governo de Mato Grosso pelo voto popular.
Representa como ninguém o agronegócio brasileiro com seu efeito modernizador do campo e sua importância para a economia. Quando estourou a Operação Carne Fraca, ele era o homem certo no lugar certo. Em poucos dias, verificou-se que adulterara o próprio produto.
Maggi ameaçou desnecessariamente o governo chileno, mas esse talvez seja o seu viés de senhor das terras. O ministro tornou-se patético quando acompanhou o coral dos agromandarins. Trata-se de uma casta capaz de gastar os tubos para publicar um manifesto “em defesa da proteína nacional”. Essa charanga considera o desastre uma coisa pontual, produto de “desvios de conduta” que “devem ser repudiados e combatidos”. Intitulam-se “associações de proteínas.
”
A economia internacional modernizou o agronegócio brasileiro, obrigando-o a respeitar padrões de qualidade. Contudo, quando operam no mundo do poder brasileiro, os empresários fogem do século XXI e aninham-se na primeira metade do XX, quando seus antecessores administravam matadouros.
O “desastre” começou há três anos, quando o auditor Daniel Gouvêa Teixeira foi afastado das suas funções depois de ter denunciado malfeitorias ocorridas no Paraná. Em seguida, ele foi à Polícia Federal, contou o que sabia, e assim nasceu a Carne Fraca. Na sua narrativa das excelências do governo, Maggi revelou que exonerou os superintendentes do ministério no Paraná (Gil Bueno) e em Goiás (Júlio César Carneiro).
Tudo bem, mas quem nomeou os dois foi Blairo Maggi. O doutor Gil Bueno foi apadrinhado pela base de apoio do governo, mesmo sabendo-se que o Ministério Público dizia o seguinte a seu respeito: “recebeu para si, 67 vezes, em razão do cargo de fiscal federal agropecuário (...) vantagem indevida para deixar de praticar ato de ofício”. Nomeá-lo, vê-se agora, foi “idiotice”.
Em Goiás, na região do interesse de Maggi, foi nomeado outro filho da base. Quadro do PTB, Carneiro disputa eleições desde 2004, sem sucesso. Ele não é do ramo, mas o ex-diretor do serviço de inspeção era. Está preso preventivamente. Não há nada de pontual em situações desse tipo. São esquemas.
Os grandes grupos exportadores respeitam as exigências impostas pelo mercado internacional, mas convivem com o atraso que Blairo Maggi conhece de cor e salteado.
A Operação Carne Fraca começou com um lastimável grau de amadorismo megalômano e espetaculoso da Polícia Federal, mas isso não convida empresários, mandarins e ministros a adotarem a postura arrogante dos empreiteiros no nascedouro da LavaJato. Como ensina um velho provérbio napolitano, “seja honesto, até mesmo por esperteza”.
*Elio Gaspari é jornalista
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