- Valor Econômico
Inventaram o açúcar e o sal, fazem chover e estiar
Ao conduzir um país de cultura política exótica e em situação instável por curto período de um mandato de transição, Michel Temer está perto de completar o primeiro de seus dois anos como presidente da República tendo que se submeter a três governos de fato que mandam nele e em todos nós, que inventaram o açúcar e o sal, que fazem chover e estiar, sendo que dois deles comandados por corporações fortes impermeáveis a controle e um por entidade de fiscalização e controle que ainda deve satisfação, pequena, a um outro poder: o Ministério Público, a Polícia Federal, o Tribunal de Contas da União.
Nada acontece sem que esses governantes autoritários permitam, e tudo acontece por sua determinação. Temer sabia que não teria paz para conduzir o Executivo, por força das circunstâncias em que a Constituição o elevou ao cargo. Nos seus calcanhares uma oposição política acirrada e pressão da Operação Lava-Jato sobre os políticos, todos que tiveram financiamento de campanha eleitoral e não se elegeram com os próprios recursos.
Certamente não esperava ser atrapalhado pela disputa entre essas corporações aprendizes de Deus além de todos os percalços que já teria em sua trajetória.
O Ministério Público não admite que alguém sequer pense que está criminalizando a política, ou que está beneficiando corruptores em detrimento dos corrompidos. Reagiu ontem à constatação do Supremo Tribunal Federal de que está também controlando a própria Suprema Corte. E não admite que se crie um instrumento de controle externo, um limite ao abuso de poder, uma só emenda de acréscimo ou supressão à legislação auto-referida que apresentou para abrigar ainda mais seu poder. À sua imagem e semelhança, há a Polícia Federal, que disputa holofotes, tem vaidade e autossuficiência e não vacila em criar, como criou, uma Operação Carne Fraca lesa país, amplificada como a maior de todos os tempos, sem pudor de extrapolar para os 4 mil frigoríficos e toda a produção do Brasil as denúncias que tinha a fazer sobre dois ou três desses estabelecimentos, mesmo assim sem ter confirmação cabal, levando à terra arrasada relações comerciais construídas durante décadas, com grandes percalços.
Já são duas as indústrias destruídas pela displicente ação das duas corporações, mas quem se importa com petróleo e gás ou com o agronegócio quando estamos todos hipnotizados pelo discurso messiânico agregado ao medo?
Quanto ao Tribunal de Contas, vai firmando suas alianças ora com uma, ora com outra dessas instituições que conduzem a manada, na esperança de conseguir supremacia na sua disputa de poder com outros órgãos de controle e fiscalização da estrutura do governo, com os quais também compete.
Temer, porém, construiu um caminho que tangenciou esses governos paralelos. Com um problema real de manutenção do seu mandato, que é o processo de cassação da chapa presidencial de 2014 no Tribunal Superior Eleitoral, onde o relator já deu todas as indicações de que seu voto será contra o presidente, parece ter enxergado com clareza um caminho alternativo para seu governo capaz de permitir a formação de um legado, o início de superação da crise.
E decidiu fincar suas bases sobre dois pilares. Um, o Congresso, combalido pela criminalização do financiamento de campanha. E, outro, o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, uma espécie de síntese das relações com o empresariado e a sociedade ali representada, que a cada dia vem desempenhando mais atribuições na formulação de programas e medidas para a transição.
Criou o governo congressual, pelo qual os ministros representam os partidos (daí o elevado número deles entre as almas condenadas pelo financiamento de campanha eleitoral) e entregam os votos para que as reformas avancem no Congresso. As reformas são fundamentais para a recuperação econômica do país e não há tempo para esticar as negociações em torno do que já está em discussão há décadas. Neste quase um ano, contando o período de interinidade de maio a julho de 2016, Temer conseguiu mais do que muitos presidentes em um mandato inteiro: a reforma do ensino médio, a emenda constitucional do teto do gasto público, a lei do petróleo, a DRU, a reposição das metas de superavit do ano passado e deste, o acordo da dívida dos Estados, a elaboração das reformas da Previdência Social, das Relações de Trabalho e da Lei da Terceirização, para citar os mais importantes.
Tanto não há outra saída para o governo conseguir resultados que, e está desde logo reconhecido que a convivência com as investigações é inexorável, definiu-se um modelo de operação até o fim: se ministros forem caindo por força de investigações dos corrompidos pelas empreiteiras, serão substituídos por outros representantes dos partidos que deverão fidelizar de novo seus votos no Parlamento. Sem maiores dramas além da perda da companhia dos amigos.
Quanto ao CDES, o Conselhão, de 101 integrantes, agora de composição mais equilibrada de acordo com a participação de cada setor da economia no PIB e de cada segmento social - negros, LGBT, mulheres, estão agora melhor representados -- transformou-se em uma fonte de estudos e sugestões sobre medidas que podem fazer diferença no plano concreto da vida. Temer intensificou encontros também com empresários e instituições que os representam. Na última reunião, Temer deu respostas às 15 medidas propostas nas áreas de ambiente de negócios, educação básica, agronegócios, desburocratização, competitividade.
No próximo encontro, levará aos conselheiros os novos temas para os quais pedirá sugestões: Segurança Pública, Saúde, Empregabilidade no Brasil do século XXI, Investimento e intermediação financeira, relações internacionais e comércio exterior.
De terceira a primeira
A presidente do Supremo Tribunal Federal deixou escapar, em palestra recente, seu propósito de renúncia ao cargo para voltar-se integralmente ao magistério. Há meses, enquanto corre a ação no TSE contra a chapa Dilma-Temer, surgiu a conjectura da escolha de Carmen Lúcia para presidente da República. Se Temer cair no TSE, a ministra fica só, de frente para o gol: os presidentes da Câmara e do Senado, ambos na lista de Janot, teriam dificuldade para se manter na fila. E ela presidiria a eleição indireta do sucessor, logo, forte candidata.
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