Para facilitar aprovação, projeto excluirá servidores estaduais e municipais
Governadores terão de aprovar suas próprias leis para reduzir gastos com aposentadorias
Para reduzir as resistências de sua base parlamentar, o presidente Michel Temer recuou pela primeira vez na reforma da Previdência. O projeto não mais mudará as regras de aposentadoria de servidores estaduais e municipais, inclusive professores e policiais civis. Com isso, apenas servidores federais e trabalhadores do setor privado serão abrangidos pela reforma. A expectativa, agora, é aprovar o texto na Câmara em maio.
Recuo na reforma
Governo retira da proposta servidor estadual e municipal, inclusive professores e policiais
Leticia Fernandes, Geralda Doca, Júnia Gama e Martha Beck | O Globo
-BRASÍLIA- Pressionado por sua base parlamentar e diante das dificuldades em avançar para a aprovação da reforma da Previdência no Congresso, o presidente Michel Temer fez ontem o primeiro grande recuo na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 287. A reforma não atingirá mais servidores estaduais e municipais, inclusive professores e policiais civis. E, agora, as mudanças ficarão restritas aos funcionários públicos federais e trabalhadores do setor privado (INSS).
O texto enviado pelo Executivo ao Congresso já havia deixado de fora policiais militares e bombeiros — que estão na alçada dos entes federativos — e os militares das Forças Armadas. A decisão anunciada ontem à noite, em pronunciamento do presidente da República, é prejudicial aos estados, que enfrentam sérias dificuldades de caixas. Em alguns casos, os benefícios de professores e policiais correspondem a dois terços das aposentadorias.
Em um rápido pronunciamento e sem responder a perguntas de jornalistas, Temer disse que caberá aos governadores e prefeitos aprovarem leis nas assembleias e câmaras distritais para adequar os regimes de previdência e reduzir gastos com benefícios. Ele justificou que o objetivo da decisão é evitar uma “invasão de competência” e fortalecer o princípio federativo.
— (...) Surgiu com grande força a ideia de que nós deveríamos obedecer a autonomia dos estados, portanto fortalecer o princípio federativo e, assim sendo, fazer a reforma da Previdência apenas referente aos servidores federais, ficando portanto aos estados e municípios a edição de normas relativas a essa matéria — disse Temer.
OBJETIVO É FACILITAR A APROVAÇÃO DA REFORMA
Segundo participantes da reunião com Temer, a avaliação levada ao presidente por líderes do Congresso é que o governo e sua base estavam enfrentando enorme desgaste sem qualquer ganho com isso. Antes do comunicado, Temer consultou o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, que aprovou a medida e disse que não haveria impacto nas contas federais.
— O impacto é zero para as contas federais, porque vamos ficar segurando um desgaste que não é nosso se não faz diferença para as contas públicas federais? — perguntou um dos presentes.
Um ministro que participou das negociações afirmou que o presidente já vinha “ruminando” essa ideia. Assessores do Palácio do Planalto disseram que, antes do envio da proposta ao Congresso, havia essa dúvida sobre incluir ou não servidores estaduais e municipais na proposta. Mas, diante da pressão de governadores, o governo acabou cedendo.
— Houve muita pressão dos governadores, porque diziam ter muita dificuldade de fazer a reforma nos estados. Mas a pressão em cima dos parlamentares é justamente dos servidores estaduais, e os governadores também não estão ajudando — afirmou uma fonte do Planalto.
Integrantes do governo afirmaram ainda que foram citados casos de governadores que, de um lado diziam apoiar a reforma, mas de outro estimulavam protestos contra a aprovação da matéria para enfraquecer o governo. Portanto, a avaliação, agora, é que as questões estaduais estão sendo “devolvidas” para as áreas de origem.
Os governadores vinham defendendo a inclusão dos servidores estaduais na reforma, diante das dificuldades que eles enfrentam nas assembleias em aprovar medidas polêmicas. Eles pressionaram o governo para incluir, inicialmente na PEC, policiais militares e bombeiros. Mas essas duas categorias já estão de fora da Constituição. No caso dos professores estaduais e policias civis, não.
Segundo técnicos envolvidos na elaboração da PEC, ao deixar essas categorias de fora, o Planalto esvaziou a reforma. Vai dar brecha para que professores federais e policiais civis federais — que têm aposentadorias especiais — também escapem das mudanças. Há várias emendas neste sentido.
Temer foi convencido por líderes da base que, diante das eleições em 2018, temiam retaliações no reduto eleitoral.
— Eu falei para o presidente: há 30 policiais federais na minha cidade. Eles podem acampar na frente da minha casa e não vai acontecer nada. Agora, não posso votar contra 80 mil professores. Eu ficaria com ônus, correndo risco de virar ex-deputado, enquanto que o deputado estadual ficaria de boa — disse uma fonte.
O presidente da Câmara elogiou a decisão de Temer. Para Rodrigo Maia, a medida facilitará a aprovação do texto, pois foi resultado de uma demanda de diversos parlamentares.
— Agora está no caminho certo, vai concentrar nisso, tirar da frente os servidores estaduais que estavam começando a se mobilizar contra a emenda. Acho que facilita muito (a aprovação), tira 70% da pressão que estava sendo recebida. A proposta estava recebendo uma pressão que não era necessária — disse Maia.
Ele destacou que a decisão de Temer foi tomada após debates com os parlamentares:
— Todos os estados entendiam que o debate dos servidores estaduais não deveria estar nesta reforma da Previdência. Foi uma decisão dialogada, discutida entre partidos da base, comigo, com o presidente da República, e se constituiu um caminho que vai facilitar muito a aprovação.
MUDANÇAS, AGORA, FICARÃO NA CONTA DOS ESTADOS
O relator da proposta, deputado Arthur Maia (PPS-BA), também avaliou que a mudança irá facilitar a aprovação da reforma no Congresso. Ele destacou que, com isto, cada Estado poderá fazer as alterações que tiver condições de realizar, de acordo com sua situação econômica:
— Ficou mais fácil, mas mais importante que isso é o fato de darmos aos estados a condição de fazer a reforma previdenciária de acordo com sua condição. Alguns Estados, como Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, têm maiores dificuldades econômicas e não cabe a nós estabelecer para eles parâmetros que talvez não tenham condições de cumprir.
Integrantes da equipe econômica afirmaram que havia uma preocupação do governo com o risco de a reforma ser questionada judicialmente por ferir a autonomia federativa.
— O espírito da reforma foi mantido. Ela continua impedindo o crescimento do gasto descontrolado com Previdência no âmbito federal. Na esfera federal não mudou nada, nem uma vírgula. E vai ficar mais fácil a aprovação no Congresso — disse um integrante da equipe econômica.
Por outro lado, o presidente jogou no colo dos governadores a responsabilidade de fazer uma reforma previdenciária estadual. Alguns governadores haviam pedido à União que tratasse dos servidores estaduais na reforma encaminhada ao Congresso, justamente porque não teriam força para conseguir mexer em aposentadorias nas suas assembleias legislativas.
Para o especialista em contas públicas, Raul Velloso, é “furado” o discurso do presidente Temer de, que ao deixar de fora os servidores estaduais e municipais, está fortalecendo a autonomia dos entes federativos. Segundo ele, essa autonomia não existe. Ao contrário, destacou, há uma interdependência da União, quem dá aval a empréstimos, faz transferências e bloqueia repasses.
— Isso pode ser demonstrado no momento em que a União negocia as dividas dos estados e exige contrapartidas — disse Velloso — que lamentou a decisão: — Muito estranho o governo fazer isso, principalmente num momento de dificuldades financeiras dos estados.
Ele destacou que a União sai perdendo ao fazer o ajuste sozinha, porque depende da ajuda dos estados para fechar as contas públicas.
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