É sério equívoco criminalizar o usuário; isso só faz aumentar a violência e o próprio tráfico
Embora a agenda de discussões no país esteja muito concentrada na reforma da Previdência e em assuntos correlatos à crise política — Lava-Jato, eleições de 2018 —, há temas também em debate, e da mesma forma relevantes, embora não tenham para a sociedade a emergência de questões ligadas de maneira mais concreta e visível à vida das pessoas.
Um desses temas são as drogas, no centro de um choque de opiniões no mundo inteiro, em que se digladiam defensores da descriminalização do consumo, para que o usuário seja tratado como caso de saúde pública, e os que dão prioridade ao enfrentamento policial e militar do problema. A guerra tradicional.
Nada é simples no debate, porque o negócio dos barões das drogas também se articula com o contrabando de armas, ambos usuários de esquemas de lavagem de dinheiro. Atividades que necessitam mesmo de investigação e repressão. Elas transitam num universo perigoso de criminalidades. Toda a problemática, porém, fica menos complexa quando é abordada pela ótica do usuário, a maior vítima nesse drama.
A defesa da descriminalização de drogas parte de uma base sólida de argumentação: se a via policial-militar fosse eficaz neste enfrentamento, a mais poderosa e rica nação do mundo, os Estados Unidos, teria erradicado os traficantes colombianos e mexicanos, para lembrar os mais poderosos e próximos à fronteira americana. Dezenas de bilhões de dólares já foram gastos, e incontáveis pessoas morreram nesta guerra, e o número de usuários não para de aumentar.
Há vários exemplos bem-sucedidos de descriminalização, em que usuários e mesmo portadores de pequenas quantidades de drogas não são presos e entram em programas de recuperação. Evita-se, dessa forma, trancafiar jovens ao lado de bandidos formados. Saem da cadeia, portanto — aí sim —, graduados em tráfico.
Tramita no Supremo processo sobre um preso apanhado com pequena quantidade de drogas. O debate se alonga — Teori Zavascki pediu vista do processo, e seu substituto, Alexandre de Moraes, deve herdá-lo — e, nele, o ministro Luís Roberto Barroso já defendeu a descriminalização da maconha. Depois, em entrevista, avançou para pedir a legalização. Foram em linha semelhante a Barroso ministros Edson Fachin e Gilmar Mendes. Este defendeu a descriminalização do porte de qualquer droga. Até o veredicto final, votos podem ser alterados.
O momento é propício para se retomar o julgamento. Há sérios problemas em presídios, lotados em boa parte por criminosos relacionados ao tráfico. Mas a legislação é falha, porque não define, como em outros países, em função da quantidade de drogas apreendida, quem é traficante ou usuário. Fica ao livre arbítrio da polícia e do juiz.
Deve-se admitir que a abordagem clássica da questão, pela força, fracassou. Esta precisa ser dirigida, e com inteligência, contra o tráfico e crimes derivados, não para punir o usuário. E convertê-lo em criminoso.
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