- O Estado de S. Paulo
As MPs são ‘relevantes e urgentes’ para o País ou para corruptores e corruptos?
Entre as suas várias modalidades de “doações”, a benemérita Odebrecht usava uma bastante direta e objetiva: servia para comprar emendas ou a própria redação de Medidas Provisórias, que são editadas pelos governos e votadas pelo Congresso Nacional. As chamadas MPs se transformaram numa espetacular fonte de renda para os políticos brasileiros e isso não tem obrigatoriamente a ver com eleição.
Instrumentos à disposição do presidente da República para casos de “relevância e urgência”, elas produzem efeitos imediatos por até 120 dias, mas só viram efetivamente leis depois de aprovadas pelos deputados e senadores. Se não votadas em 45 dias, trancam a pauta da Câmara e do Senado, deixando os governos preocupados, senão apavorados.
As MPs brilham na Operação Zelotes da Polícia Federal, que investiga a compra de decisões do órgão revisor da Receita Federal e o pagamento de propinas no Executivo e no Legislativo para medidas que favorecessem, entre outros, o setor automotivo. O ex-presidente Lula e seu filho Luís Claudio, por exemplo, foram indiciados nessa operação.
Agora, não é nenhuma surpresa que as MPs voltem a brilhar nas delações da Odebrecht, das quais nada, nem partidos, nem políticos, escapa. Um dos delatores, Cláudio Melo, cita inclusive as três MPs pelas quais a empresa dava mundos e fundos para líderes importantes do Congresso, principalmente, mas não só, do PMDB.
Isso é desmoralizante, desanimador, irritante, enojante, porque a sociedade brasileira já não sabe mais se as medidas editadas pelos sucessivos governos eram de fato “relevantes e urgentes” para o País e seus cidadãos, ou se eram convenientes para grandes corruptores e uma galinha dos ovos de ouro para corruptos.
Além de compra de MPs e projetos, o meio bilhão de reais da Odebrecht (na soma até agora...) tinha variadas serventias: doação de campanha em caixa 1 para candidatos alinhados com o pensamento e os interesses da empresa, o que era legal; doações em caixa 2, que é crime eleitoral; compra de decisões do Executivo federal, estadual e municipal; compra de votos nos legislativos; um troca-troca infernal entre desvios em obras públicas, licitações e propinas; e, enfim, mesadas para manter sob cabresto os diferentes Poderes.
O que Emílio e Marcelo Odebrecht, além de seus executivos, vêm ensinando sobre esse universo de corrupção pode ser estendido, mundo afora, para as empreiteiras, como OAS, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão. E também para os mais variados setores, de produção de carnes (já na Operação Carne Fraca) a bancos (uma Lava Jato à parte).
Chegamos ao fundo do poço? Não! Os depoimentos transmitidos pela TV são só parte das cerca de mil horas de gravações e só de uma empresa e precisamos lembrar que as delações premiadas até aqui são praticamente de empreiteiros, executivos, doleiros, diretores da Petrobrás. Dos políticos, só Delcídio Amaral, que foi aceito, e Pedro Corrêa, que não. O céu é o limite.
A força-tarefa da Lava Jato não parece interessada na delação de um Eduardo Cunha em troca de amenizar sua pena, mas certamente está se coçando pelo que têm a dizer João Santana e Mônica Moura e, particularmente, Antonio Palocci. Além de jararacas, jacarés e crocodilos, virão muitas outras cobras e lagartos.
Nem todo juiz é um Sérgio Moro, nem toda primeira instância é igual às de Curitiba, DF e Rio, mas a tendência é que a Lava Jato produza muitas Lavajatozinhas. Aliás, nem sempre no diminutivo. No Rio, o insaciável Sérgio Cabral e sua quadrilha não devem nada, em valores ou falta de pudor, ao que já vimos na investigação-mãe. E, para quem acha que já viu tudo, grandes revelações ainda surgirão.
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